segunda-feira, 17 de dezembro de 2012

MEU MODO DE VER O MUNDO – PARTE 4; DIA 21/12/2012, MAIS UM FIM DO MUNDO

Não poderia deixar de escrever sobre o tão falado fim do mundo, agendado pelos maias para o próximo dia 21. Só porque, há muito tempo atrás, certo calendarista maia resolveu parar de fazer o seu calendário justamente no dia 21/12/2012... Mal sabia ele que sua preguiça em continuar o serviço causaria tanto impacto...
Há aqueles que não acreditam na preguiça do calendarista, mas sim em uma motivação mística ou espiritual. Esta data representaria, então, o final de um ciclo e o começo de uma nova era. Virando a página para um mundo melhor.
Basta fazer uma pesquisa na internet para perceber que este novo fim do mundo espalhou-se também pelo mundo virtual. Daqui até o “dia D” a coisa promete esquentar ainda mais. E, se tudo acabar em fogo, quente mesmo vai estar no último dia!
Tem um sujeito, onde trabalho, que já faz um bom tempo que vem falando sobre o dia 21 de dezembro. Acredita no fim, fala com convicção. Mas, como ele é espirituoso, daqueles que soltam uma brincadeira de vez em quando, a gente duvida da sua certeza. Mesmo porque o seu tom de voz, a maneira como diz, leva a crer que está fazendo tipo. No entanto, seus comentários apocalípticos são frequentes, fato este que nos leva a crer que, para ele, se não for verdade verdadeira, o fim do mundo é algo que tem grande chance de acontecer agora, na próxima sexta-feira.
Hoje é domingo. Se os apocalípticos estiverem certos, não haverá mais sábado. Tampouco manhã de domingo... Agora são quase duas e meia de uma tarde nublada. Estou sentado em um banco de cimento, apoiado em uma mesa de igual material, escrevendo estas palavras da minha última crônica antes do fim... Que trágico! Os galos e galinhas ao meu lado mal sabem do pouco tempo que temos... Quanto tempo será que tem a enorme seringueira que se espalha à minha frente? Por quantos fins de mundo anunciados pelos homens teria passado? Os galos cantam o momento presente. É uma chamada ao agora, ao que realmente importa. Os pássaros cantam, o trenzinho passa, carregando adultos e crianças, serpenteando por entre a majestosa vegetação...
Sentado no meio de um parque, imerso na natureza e na tranquilidade, realmente não é o melhor lugar para continuar a escrever esta crônica do fim do mundo. Na verdade, isto aqui parece mais o começo do mundo... Uma formiga subiu no papel, espantou-se com a ponta da caneta e seguiu sua caminhada. Uma menina diverte-se no balanço. O ranger das correntes na viga espalha-se pelo ar, tal qual a seringueira com seus galhos abraçando o céu. O cheiro de terra e folhas úmidas, uma criança que passa correndo ao meu lado. Um casal de terceira idade que para no meio do caminho, frente a frente, para se abraçarem. E que depois seguem lado a lado, juntinhos no enlace dos braços... Tudo isto está me desconcentrando do fim do mundo! Ainda mais agora, que o sol começou a aparecer, e ficou ainda mais bonito!
Sentei aqui neste banco, com a intenção de fechar o texto com observações inteligentes sobre o fim do mundo, talvez até brilhantes, para que ficasse pontuado de maneira a atrair o leitor... Mas eis que toda esta vida que me cerca, muito mais brilhante que qualquer tirada literária, tomou conta das palavras e acabou com o meu fim do mundo...

sábado, 24 de novembro de 2012

MEU MODO DE VER O MUNDO – PARTE 3


Algo me chama a atenção e olho para o alto. Vejo um beija-flor, aflito, voando de um lado para outro, tentando escapar por uma das janelas lacradas com vidro transparente. Penso: poxa, por que ele não passa por baixo?
Tenho que explicar o cenário para o leitor. Vamos lá! Está preparado? Imagine um estacionamento coberto. Ótimo. Agora amplie o pé direito. Não tem nada a ver com o seu pé ou quanto você calça. Refiro-me ao termo “pé direito”, comum em engenharia civil ou arquitetura. Entendido? Então, o vão entre o piso e a laje superior tem bem uns oito metros ou até mais... Em dois dos lados não há paredes, e é justamente por aí que o tal do beija-flor pode escapar. Um espaço livre, com os seus cinco metros de altura, acima do qual começam as paredes nas quais estão as já citadas janelas, mostrando retângulos de céu azul.
Descrito o cenário, agora você pode então compartilhar da angústia retratada neste terrível problema vivido pelo nosso belo e rápido espécime de pássaro. Fica ele lá no alto, fascinado pelos retângulos azuis. Para na frente de um, de outro, de um, de outro... Mantém-se a uma distância de uns dois ou três metros do vidro. Não avança. De alguma maneira sabe que não dá para passar.
Tento uma comunicação impossível. Falo em volume baixo, mas mesmo assim sinto-me um pouco envergonhado, pois desconfio que sou ouvido por alguém que passa ao meu lado. “Abaixa amiguinho, abaixa!”, é o que digo. Falar sozinho não é conveniente. Tampouco conversar com pássaros em lugares públicos. Mas isso não importa. Estamos diante de um grave problema de um pequeno ser que se sente preso sem estar preso. Ele não sabe como sair, não consegue ver. Pousa em um cano que passa lá no alto, perto do teto...
Para nós, que estamos olhando de outro ângulo, é tão óbvio. É só voar mais baixo, para então vislumbrar todo o espaço aberto por onde se pode escapar. Porém, a atração das janelas azuis é forte. Como uma lâmpada para uma mariposa. Luz, céu azul, liberdade. Mas tem a questão das limitações. O beija-flor nem sequer se lembra de que abaixo das janelas há um grande vão, pois certamente por aí passou, antes de encurralar-se. Falta-lhe memória. Sobra-lhe o anseio por liberdade. Por isso não consegue distanciar-se das janelas que lhe mostram o maravilhoso céu azul, seu tão adorado campo de voo.
Afasto-me da cena. Não se tem tempo para libertar um beija-flor... Mas minha mente e meu espírito lá ficaram...
Imaginei um desfecho para o fim deste drama. O pobre pássaro, exausto de tanto voar, vai ao chão. E lá embaixo movimenta-se, débil, no perigo dos carros que manobram ao seu lado. Para então olhar para o alto e ver todo o espaço livre à sua frente. Está livre!
Já que não sei o fim real deste fato verídico, imagine você o seu fim. Alegre ou triste. Maravilhoso ou trágico. Fantástico ou banal. E pode também elaborar mil analogias, comparando a situação vivida pelo beija-flor com nossas vidas. Crie uma moral da estória... E busque a sua janela azul...

terça-feira, 20 de novembro de 2012

MEU MODO DE VER O MUNDO – PARTE 1

As coisas do mundo estão aí para todo mundo ver. Ver com os olhos, com as mãos, com a imaginação... Através da audição, do olfato, do paladar. Usando os cinco sentidos, o sexto, ou qualquer outro que consigamos alcançar. O mundo é o mesmo para todos, mas cada um o cria a seu modo.
Ando reparando que às vezes me detenho sobre coisas tão aparentemente insignificantes, e que as percebo de uma maneira tão peculiar, que achei por bem começar a registrar este meu modo de ver o mundo. Esta é a primeira parte, de um total de sei lá quantas partes vão ter. É assim como a vida, que começa e a gente não sabe quando vai acabar.
Não vá pensando, caro leitor, que esta série tem algum objetivo ou enredo qualquer. Esta não é a minha intenção. Quero apenas mostrar certos ângulos da vida, como percebo a realidade ou a irrealidade, só isso. Não quero mudar suas opiniões. Não quero prendê-lo a esta leitura. Você é livre, leitor. Fique à vontade para parar de ler, agora, sem ao menos terminar a parte 1. Eu não ligo. Mesmo porque, nem sei quem você é. É a vantagem da impessoalidade. Inclusive até, pode ser que você esteja no futuro, lendo as palavras de um escritor que não existe mais...
Mas se você continuar, meu caro ou cara leitora, não lhe prometo nada. Apenas lhe digo, vem comigo, e vamos ver no que vai dar.

MEU MODO DE VER O MUNDO – PARTE 2


Um bem-te-vi pousa em um frágil galho de uma grande árvore ao meu lado. Instantes depois, o galho quebra, pegando o pássaro de surpresa. Por alguns décimos de segundo, ele cai junto com o galho. É o tempo do seu reflexo, até que a informação lhe chegue ao cérebro de ave e que este ordene às asas para que entrem em ação. Ele então sai voando, como quem diz “Cair não me pertence”.
Agora, um sabiá insiste em cutucar algo perto do canteiro de arbustos. Parece uma migalha de pão. Para, olha ao redor, vigia. O que está bicando lhe parece ser algo importante, não quer ver ninguém por perto. Tanto é que pega a sua preciosidade com o bico e alça voo para longe do meu olhar curioso.
Cantos de pássaros, folhas sacudidas pelo vento, silêncio, harmonia e natureza... Os galhos do coqueiro estão dançando. A luz do sol, filtrada pelo céu nublado, produz um impressionante contraste por entre os mais variados matizes de verde. Leonardo da Vinci aconselhava os pintores a saírem em busca de cenas e cores justamente em dias assim, quando as tonalidades ficam mais distintas...
Natureza é arte. É por isto que uma das vertentes da arte é imitar a natureza. O ser humano, em sua brincadeira de ser divindade, criou a arte para tentar copiar as expressões de criação que lhe cercam. E quando conseguem atingir os mais elevados graus de realização, sentem-se pequenos deuses. A pintura que abraça, a escultura que oprime, a música que eleva ou transtorna. Tudo é arte. A arte do belo e do feio, do êxtase ao medonho...
Eu, sentado no banco do meu carro. Cercado pela natureza contagiante. Esperando minha filha que, juntamente com muitos outros jovens, luta por uma das 30 vagas ao curso de Artes Visuais... Arte lá dentro, em cada uma das salas onde é aplicada a prova de aptidão. Criações borbulhando de cada mente jovem e entusiasmada. Arte aqui fora, com a natureza, toda convencida, esbanjando sua perfeição...
Lembro-me agora da última coisa que lhe disse quando estava para entrar na prova: “Seja feliz!”. Arte é sentimento. Arte é expressão. Arte é felicidade.

sábado, 27 de outubro de 2012

DE UM GALHO PARA OUTRO


Estação Pinheiros. Caminho apressadamente ao lado de muitos outros corpos também apressados. Dois grandes fluxos de usuários, contrários e separados por aqueles pequenos postes e fitas que costumam delimitar as filas. Qualquer tropeço aqui no meio leva junto uns três ou quatro: queda do tipo reação em cadeia.
Está chamando. Do outro lado da linha, minha sogra atende. Digo que estou saindo do trem para pegar o metrô. Ela logo adivinha o motivo da ligação. “Você quer falar com o Francisco, não é? Ele está aqui do lado”. Ouço as primeiras palavras do sobrinho do meu finado sogro como quem ouve uma assombração. É o Seu Manoel falando. O mesmo “alô” arrastado. O mesmo timbre da mesma fala mansa. Volto ao passado. Dá saudade... A genética é uma coisa impressionante. Tio e sobrinho não conviveram juntos. Mas Francisco tem o mesmo jeito do tio, que é o meu sogro, que já foi... A mesma maneira de rir, enterrado entre os ombros. E quando apertou a minha mão, demorando mais no cumprimento, oscilando no mesmo ritmo demorado, turvou-se rapidamente a cena e diante de mim, por um instante, surgiu o Seu Manoel... E agora novamente se transforma, em um simples “alô”, trazendo de volta quem já partiu... E por falar em partir, Francisco está partindo de volta para Alagoas. É por isto que estou ligando para ele, em meio a todos estes passos apressados que caminham pela passarela que liga a estação de trem com a de metrô. Amanhã cedo ele retorna para a sua terra.
A ligação fica ruim. Não consigo entendê-lo. No começo da escada rolante que desce, decido interromper e abreviar. “Eu não estou ouvindo direito o que você está falando. Mas eu estou ligando para te desejar uma boa viagem...”. A despedida termina. Palavras normais de ambas as partes. Tudo de bom, desculpe alguma coisa, que nada, abração... Desligo o celular pouco antes de entrar no segundo lance de escada rolante. Fica a sensação de que foi rápido demais, de que deveríamos ter nos demorado mais um pouco na despedida, uma ou outra brincadeira talvez...
Ainda mesmo neste segundo lance de escada rolante, vejo uma cena que me chama a atenção. A vida é assim mesmo. Não dá nem tempo de viver um momento e já vem outro para nos fisgar. É impossível não notar. Duas pequenas luzes azuis são os olhos da menina que está no colo da mãe. Voltada para trás, observa tudo e todos com extrema atenção. Mais “todos” do que “tudo”. Quero dizer que se concentra mais nas pessoas do que nas coisas. Um homem, no degrau anterior da escada rolante, faz brincadeiras para ganhar de presente a luz de um olhar ou de um sorriso da pequenina. No primeiro momento penso que é uma pessoa qualquer, estranha à criança, querendo somente algumas migalhas do encanto que aquele rostinho proporciona. Mas depois percebo que deve ser o seu pai, carregando mala e bolsa. Então concluo que estão viajando.
Nesta tenra idade, as crianças geralmente não têm o mínimo pudor ou receio de encarar os outros, demoradamente. Carinhas miúdas e ingênuas... Mas esta menininha, para mim, tem um olhar intimidador. Sinto uma desproporcionalidade. Como se dentro deste diminuto corpo infantil, praticamente ainda uma bebê, estivesse abrigado um espírito, uma alma elevada, superior em inteligência e talvez em muitas outras virtudes também...
Na plataforma da estação do metrô, outra vez a vida me empurra de um galho para outro, em sua dança de contrastes. Surge-me outra cena que me rouba a atenção. E não tem como não roubar, pois a moça está vestida (vestida?) de uma maneira bastante escandalosa. Os fartos e negros peitos saltam para fora do mais do que generoso decote tipo bojo. O short está de acordo com a proposta deste tipo de roupa: exibição. Lá estão seios e pernas expostos para quem quiser ver.
A composição para na plataforma e nós entramos. Após os poucos segundos de acomodação das pessoas nos espaços disponíveis, vejo que as cenas anteriores continuam por perto. A menininha de olhos azuis e a “meninona” de peitos negros... A primeira está no assento ao meu lado, no colo da mãe. A segunda está no outro lado vagão, sentada rente à janela. Fico algum tempo tentando decifrar quem é a pessoa que a acompanha. Tem idade para ser seu pai. Sentado junto a ela, com o braço direito por trás das costas da moça, jaqueta de couro preto, todo cheio de estilo... Não, não pode ser o pai. Descarto esta opção e concluo ser alguém exibicionista como ela, pois está mostrando o seu “brinquedinho” para todo mundo...
Volto-me para a bem mais nova das meninas, que certamente está fazendo muito mais sucesso que a outra. Incrível o poder de atração destes olhinhos cor de céu. Por onde passam, arrastam estranhos, que querem sorver fagulhas do seu indescritível encanto. Agora mesmo mais um está caindo em sua rede. É um senhor forte, por volta de uns cinquenta anos, pele escura, que, assim desse jeito vigoroso, fica até engraçado vê-lo balançar a cabeça de um lado para outro, brincando de se esconder por trás de uma barreira invisível. Acontece algum tipo de comunicação entre os dois. Ele começa timidamente, mas ao perceber que ela está correspondendo, dando-lhe o prazer do seu maravilhoso sorriso, isto lhe provoca movimentos mais largos e desavergonhados.
Então eu também tento estabelecer uma ligação com a menininha, a dona da boina rosa e da meia-calça em um tom mais claro de roxo... Mas não consigo. Ela prefere o homem negro. Volta-se novamente para ele, e eu explico o meu fracasso porque ainda vejo, naquele rostinho infantil, algo mais amadurecido, que continua a me intimidar. Estranho: intimida, mas atrai.
A vida é assim mesmo. Vai nos empurrando de um galho para outro. Estação Consolação. As portas do metrô se abrem. Entro. Está bem vazio. Sento junto à janela. De dentro da mochila, pego a apostila que estou estudando e também uma caneta. O verso das folhas está em branco. Ótimo! A menininha de olhos azuis... Tenho que escrever. Preciso escrever!

terça-feira, 21 de agosto de 2012

INSTANTES

Se eu fosse escrever sobre este instante, procuraria um lugar mais tranquilo. Mas este lugar mais tranquilo revelaria outro instante, bem diferente deste.
O instante já acabou. O instante seguinte também já acabou. A gente nem percebe um e já vem outro. E nem nota a diferença entre eles. Acaba ficando tudo igual.
No mesmo lugar e ao mesmo tempo, duas pessoas vivem momentos diferentes.
Vivemos sempre fora do tempo, perseguindo os instantes futuros ou nos apegando aos instantes passados... Quero então agora viver somente o instante presente. Encontrar algo diferente neste congestionamento. Um sorriso de alguém que passa na calçada me faz lembrar que as pessoas têm rostos. Começo então a notar a expressão de cada um que passa pela janela da van que me leva ao serviço.
Agora é outro agora. Este lugar é outro lugar. Estou em um instante diferente. Estou realmente ou só o meu corpo está?
Se eu digo “meu corpo”, então eu não sou só um corpo...
Se não há movimento, então não há tempo.
Se não há ponto final, então o texto não acaba nunca...

sábado, 21 de julho de 2012

Crônica Virtual

Esta é uma crônica diferente. Geralmente o autor deste gênero literário baseia-se em algum fato real, algo por ele vivido. Pode basear-se também em algum incidente que lhe contem ou que fique sabendo. Uma notícia, um boato, a situação do país, a crise na Europa, enfim, algo real. Então, só para contrariar, este texto nada terá de real. Pode-se dizer, então, que será uma crônica virtual.
Mas aqueles que conhecem um pouco mais e que têm uma queda para classificações e enquadramentos logo dirão que este texto, assim todo virtual, sem nenhuma dose de realidade, certamente deverá ser rotulado como sendo um conto e, mais especificamente, um conto fantástico.
Então eu, como escritor deste texto que oficialmente ainda não começou, devo dizer que se pode escrever uma crônica com elementos de um mundo inventado e, ainda assim, será uma crônica. Prova disto está no livro “As cem melhores crônicas brasileiras”, onde há um belo texto de João do Rio, escrito em 1910, sobre como seria o dia de um homem em 1920. Se naquela época já era difícil escrever prevendo o futuro, imagine agora, quando o ritmo de desenvolvimento é muito mais acelerado...
Pensando bem, não estou disposto a inventar uma realidade totalmente nova. Dá muito trabalho... Mas dá muito dinheiro também! Vide J. K. Rowling que, maravilhosamente, criou o fantástico mundo de Harry Potter. E mesmo que eu consiga criar algo, superando esta falta de vontade e inspiração, com certeza será quase que uma criação natimorta, dado à necessidade de compactá-la ao tamanho adequado de uma crônica. E, por falar em tamanho, estamos quase chegando ao tamanho ideal: uma página. Hoje em dia, ninguém quer perder tempo com leituras um pouco mais extensas, especialmente de um texto como este, que mal sequer começou e tampouco começará...
Assim, acabando aqui, poupo o leitor de maiores frustrações. Quanto ao título, vou manter o mesmo. Tecnicamente, a crônica nem começou, então se pode dizer que é virtual. Não do jeito que eu queria, mas acabou virando uma “crônica virtual”...

terça-feira, 12 de junho de 2012

ACORDA POVO DO REINO!


Era uma vez um reino que era tido como o melhor lugar para se viver.
Onde fica este reino? Em que época ele existiu? Há muito tempo? Será que ainda existe? Chega de perguntas! Uma estória que começa com “era uma vez” não é real. Então, caro leitor, não procure relacionar o que aqui será escrito com algum lugar ou governo. É meu dever dizer que qualquer semelhança com fatos, atuais ou passados, com pessoas ou governantes, com países, estados, municípios, reinos ou feudos, enfim, toda semelhança será mera coincidência. Dito isto, voltemos ao “era uma vez”.
Como disse, era uma vez um reino que era tido como o melhor lugar para se viver. As pessoas dos reinos vizinhos queriam para lá se mudar. Muitas tentavam alcançar este tão sonhado objetivo e, quando conseguiam, geralmente acompanhadas por suas famílias, era motivo de extrema felicidade.
O número de habitantes do valorizado reino crescia vertiginosamente. A superpopulação causava vários problemas. As ruas não estavam preparadas para tantos prédios. Sim, eram prédios mesmo. Na verdade, arranha-céus. Afinal, estamos diante de um reino moderno. Assim sendo, o número de automóveis multiplicou-se em pouco tempo. Mas ninguém reconhecia os congestionamentos, que daí decorriam, como algo a preocupar. Afinal, as pesquisas estavam certas e o resultado das mesmas era inquestionável: viviam no melhor lugar para se viver.
Todo mundo sabia que neste reino estavam as melhores escolas, e este era um dos principais atrativos para os novos habitantes que acabavam de se mudar. Então, quando viam que as crianças tinham muitas aulas vagas, pois faltavam professores, que mudavam de emprego por conseguirem melhores salários nos reinos vizinhos, ninguém dava importância, isto porque as pesquisas não podiam estar erradas.
Que bom era viver cercado de pesquisas e notícias positivas! A saúde, por exemplo, diziam os números, era de excelente qualidade. Que relevância tinha a transferência de pacientes nas situações mais críticas para os reinos vizinhos, onde podiam contar com melhores condições hospitalares? Nada importava, pois os indicadores que refletiam o desenvolvimento humano e melhores condições de vida, todos eles estavam dançando nas alturas. A felicidade imperava, principalmente entre as empresas do ramo que, em um ritmo frenético, cuidavam de construir mais e mais arranha-céus para abrigar os novos e sorridentes habitantes do melhor reino do mundo.
Quem para lá se mudava, sentia-se diferenciado, pertencente a uma classe superior. O valor dos imóveis não parava de subir...
Pronto! Para uma estória que começou com “era uma vez”, eis que chegou o momento de colocar o “viveram felizes para sempre”. Mas se você, estimado leitor, pensa que tudo vai acabar bem, conforme o figurino, então está completamente enganado...
Tudo seguia perfeitamente até que, em uma noite fria e sombria, ocorreu um terrível colapso no sistema de esgoto do reino. Um gigantesco refluxo de dejetos humanos invadia as residências. Era nojento, muito nojento. O odor era simplesmente insuportável...
O povo do reino, em meio a tanta porcaria, acordando-se uns aos outros naquela fria e insuportável madrugada, enquanto procuravam limpar ou fugir do caótico estado em que se encontravam, eis que começaram, pela primeira vez, a reclamar de todos os problemas que os atingiam. Principiaram por resmungos tímidos, mas, a cada inalada dos pesados e fétidos odores que os envolviam, as vozes se levantavam mais e mais. Até que tomaram a forma de um clamor coletivo. Basta, basta, basta! Se o primeiro “a” fosse trocado por um “o”, também seria válido... Deixando de lado esta brincadeira, que talvez não tenha caído bem, mas pela qual sucumbi, devo agora encerrar este texto com uma frase de efeito: “E então, enfim, naquela fria e imunda madrugada, o povo do reino acordou”.
ACORDA POVO DO REINO!

segunda-feira, 14 de maio de 2012


PASSOS

Pernas débeis acompanham passos adultos. O ritmo é acelerado para o pequenino, que segue puxado pelo braço. A cabeça curiosa se distrai com coisas bobas. Tudo é novidade para quem está começando a vida. Algo lhe interessa pelo caminho e então acontece a divisão. Os olhos querem parar, explorar, conhecer. O pescoço vira para o lado e depois para trás. Mas não há tempo. O corpo todo é rebocado pelo braço, que tem um objetivo fixo, com hora marcada.
Todos os braços são puxados para a creche, todos os colos carregam para o mesmo destino. Minutos antes das sete horas da manhã, começam a chegar. Enquanto espero a van que me leva ao serviço, observo estes pequenos seres, já imersos na rotina do dia-a-dia que envolve a todos nós.
De longe não dá para ver muito bem. Escapam certos detalhes, de modo que não sei precisar se era um menino ou uma menina... Vamos dizer que era uma menina, assim está bom, pois o sexo não é importante perante a cena que pretendo retratar... Estava ela, a pequenina, deitada no carrinho empurrado pela mãe, que seguia olhando a filha, visto que o tal carrinho era conduzido de maneira que as duas podiam se ver frente a frente. Ao se aproximarem do portão da creche, enquanto atravessavam a rua, levantaram-se os bracinhos da menina. Pedia colo. O gesto não deixava dúvida. E assim permaneceu com os braços esticados em direção à mãe. Segundos de ansiedade, nos quais eu, apesar de fisicamente distante do fato observado, sentia todo o peso daquele ignorar da mãe. “Não quer pegar no colo porque senão vai ficar difícil de deixar ela na creche”, foi justamente o que pensei. Quando baixaram as mãos da filha, saí daquele estado de suspensão e respirei novamente. Mas o alívio durou pouco. Instantes depois, outra vez o gesto de súplica. E a mãe continuava a empurrar o carrinho em direção à creche...
São momentos de separação, de coração apertado, de querer retardar ao máximo os momentos finais. Como o que vi hoje, pai e filho andando de mãos dadas, o garotinho com uns cinco anos, os dois muito parecidos. O menino amarrava a caminhada com seus passos propositadamente atrasados. O pai mantinha-se na dianteira, rebocando o filho como uma locomotiva puxa um pequeno vagão. Mas a expressão da criança não era de luta. Parecia que nenhuma importância dava para o seu braço que seguia esticado, denunciando o confronto de forças. Tinha o olhar de quem sente todo o valor do momento que está vivendo. O rostinho redondo estava, sem palavras, dizendo a todos: “Eu estou com o meu pai!”. Naquele instante, nada mais queria, estava completo. Mas, mesmo em toda a sua inocência, sabia que a felicidade que sentia era passageira, com o tempo contado de cada passada que era dada...
Passos, todos os passos adultos conduzem sempre para o mesmo lugar, minutos antes das sete horas da manhã, sempre em direção à creche.

quarta-feira, 11 de abril de 2012

Tudo vai passar

Olho no horizonte e vejo, distante, a destruição. O cone cinzento, todo-poderoso, varrendo tudo por onde passa. Nada sobra. Não há como escapar. Quem estiver em sua trajetória será tragado, impiedosamente.
Não adianta correr. Correr para onde? Não há abrigo que resista.
Impossível fugir. A fuga desesperada poderá levar justamente para o terrível caminho de extermínio... Como saber para onde ele vai? O melhor é ficar parado e esperar. Esperar que o pior não aconteça.
Um fenômeno da natureza assim tão devastador, tão próximo, deixa tudo tão vulnerável... Como um grande apagador que vai apagando todos os traços de vida, eliminando tudo...
Está se aproximando. Vai acontecer. O que era possibilidade agora é certeza. A catástrofe, antes de chegar, envia seus mensageiros para preparar suas vítimas. O terror chega antes da dor. O cone cinzento, em sua insana tarefa de tudo aniquilar, segue adiante, invencível, despedaçando, engolindo, tragando...
Colo o corpo ao chão. Agarrado ao nada da superfície lisa. Algo me diz que é preciso ficar assim, pois só assim conseguirei escapar. Não penso na falta de lógica desta atitude, que nega a verdade da invencibilidade desta gigantesca força da natureza. Tudo será varrido. Não há nada capaz de proteger.
Mas eu sei. Alheio a qualquer lógica ou explicação científica. Simplesmente sei. É só ficar esticado, procurando grudar-me em todos os pontos de contato possíveis que me ligam ao chão. Baixar a vista e esperar. Não interessa o que estiver acontecendo ao meu redor.
É só ficar assim e esperar. Tudo vai passar. Eu tenho certeza: tudo vai passar.