sábado, 24 de maio de 2014

RUMOS DA VIDA

Antigamente, só sabíamos das pessoas que haviam participado de nossas vidas quando o destino fazia com que os caminhos se encontrassem ou, no mínimo, se aproximassem novamente. Era algo natural. Mas agora, com a internet, podemos facilmente saber como vai a vida daqueles que ficaram para trás...
Quem começou foi minha esposa. Durante o dia, procurou por nomes completos, obtidos do seu antigo convite de formatura da faculdade. Quando cheguei do serviço, já de noite, ela e minha filha me vieram com o tablet na mão, comentários, fotos e exclamações. Então me entusiasmei a fazer algo que há certo tempo já rondava minha cabeça. Abri aquela porta de cima do guarda-roupa que a gente quase nunca abre. Peguei a bolsa com o logotipo do colégio, quadrada e com alça de mão. Acho que já era antiquada na época em que a usava, no início da década de 80. Dentro dela, encontrei o que procurava: uma folha com nomes completos, endereços, telefones e até assinaturas de todos os meus colegas de classe que se formaram comigo. Pronto! Estava armado para o meu trabalho investigativo, cujo resultado segue abaixo, com o cuidado de escrever somente as iniciais dos nomes, a fim de preservar as identidades e evitar qualquer mal-estar.
MGR foi para a Bahia, largou a Eletrotécnica e tornou-se médico especializado em cirurgia do aparelho digestivo e medicina intensiva. WS enveredou para a área acadêmica e de pesquisa. Doutor, pós-doutor, professor, pesquisador, atuando no campo da Física, especializado em Física Nuclear. WSK conquistou um currículo quilométrico na área de direito. Assim como WS, também se tornou professor, doutor e pós-doutor, com muitos trabalhos publicados e participação em diversas bancas examinadoras. FDPJ trilhou uma bem-sucedida carreira na área técnica, com dois MBAs no currículo e atuando, atualmente, como gerente de qualidade da planta sul-americana de importante multinacional ligada aos mercados automotivo, industrial e agrícola. Deste último, fiquei sabendo do seu paradeiro antes dos demais, fruto de uma pesquisa na internet realizada vários meses antes, acho que há quase um ano... Dos outros fiquei sabendo naquela mesma noite em que minha esposa veio com o tablet na mão... Mas tem mais um que gostaria de comentar. É o LSL, amigo meu da mesma época (até antes, desde a 7ª série), com o qual não perdi contato, pois nos comunicamos bem de vez em quando. Ele também trilhou uma carreira bem-sucedida, formado em duas universidades americanas, Berkeley e Santa Clara, a primeira em engenharia e a segunda em direito, contando, ainda, com o título MSEE (Master of Science in Electrical Engineering). Atualmente trabalha na equipe de engenharia em área de vanguarda, dentro de uma montadora de carros elétricos, nos Estados Unidos.
Todos os cinco aqui citados pertenciam ao grupo dos melhores alunos. Eu também estava incluído nesta categoria. Porém, creio que, com relação a eles, eu devo estar na situação mais modesta... Ganhando o pão na área de Tecnologia da Informação e brincando de ser escritor...

sábado, 3 de maio de 2014

MEU NOME É MULTIDÃO

Meu nome é multidão. Costumo espalhar-me pelos corredores das estações de trem ou metrô. Desloco-me com maior ou menor dificuldade, dependendo da minha concentração. Não penso, ou melhor, sou dotada de um pensamento coletivo.
Às vezes travo; e isto geralmente acontece nas saídas das escadas ou esteiras rolantes. Nestas ocasiões, minha densidade aumenta a tal ponto que chego a ficar paralisada. Minhas partículas se desesperam, porque se veem sem saída, umas prendendo as outras. Por trás é a escada ou esteira rolante que não para de empurrar para frente, aonde tudo vai amontoando... Aí então começam os meus movimentos descontrolados. Perco a compostura.
Meu equilíbrio é instável, e pode ser afetado por uma interferência mínima qualquer. Mínima para mim, com minhas gigantescas proporções, mas que pode ser uma situação dramática para algumas de minhas partículas. Por exemplo, um empurrão, um grito, ou até um tiro, tudo isto para mim são coisas pequenas, pois é uma questão de relatividade. Se você sente uma agulhada momentânea, localizada em algum ponto qualquer do corpo, sem consequência alguma, vai se preocupar com isso? Lógico que não! Pois é o que deveria acontecer comigo. Mas o problema é que minhas “células-pessoas” são muito sensíveis. Vão transmitindo e reagindo umas com as outras, reação em cadeia que vai se espalhando e amplificando...
Muitas vezes, meu pensamento coletivo é irracional, diria que até bestial, o que pode parecer incoerente, visto que cada um dos meus ínfimos elementos se julga tão inteligente. É quando a soma das partes dá algo bem menor que o todo. Isto acontece quando, por algum motivo, acredito estar passando por algum perigo. Verdadeira ou não, esta sensação em mim provoca grandes convulsões. Sou capaz de tudo. É por isso que dizem que sou imprevisível.
Os políticos, líderes e ditadores, todos eles me adoram. Conduzem-me por caminhos convenientes, quase nunca os melhores. Sabem muito bem da minha força, conhecem o poder transformador que tenho. Pena que sou muito manipulável, sugestionável, e não sei distinguir quem está querendo o meu bem de quem não está...
Mas tudo bem, vou tocando a vida, pelos corredores das estações de trem ou do metrô, em frente aos palanques, palcos, inundando ruas... Aonde quer que eu esteja, serei sempre a mesma. Irracional, instável, bestial, imprevisível, manipulável, ingênua... Esta sou eu. Meu nome é multidão.