terça-feira, 27 de dezembro de 2016

PAPAI NOEL



“Você montou a árvore?”, pergunto assim que entro na sala. “Tá montada faz tempo”, responde minha esposa. Por quantos dias não enxerguei a árvore de natal de dois metros de altura? Uns três dias, talvez. Também, pra quem não enxergou o novo painel com rack instalado bem no meio da parede da sala, tudo se pode esperar, qualquer distração é pouca... Confesso que esta falta por mim cometida tem a ver somente com extrema distração, ou total desprezo por tudo aquilo que não está no meu foco. Ou seja, como a árvore não estava no meu caminho, ou como não tive que desviar da minha rota de todos os dias normais, igualmente não desviei a vista para o lado, nem ao menos os poucos trinta graus necessários para focalizar a grande árvore, tão cuidadosamente enfeitada... É, a coisa tá ficando séria...
Mas parece que eu não sou o único a ignorar os enfeites de natal. Olhando para as ruas, para as casas e prédios por aí, reparei que neste ano as luzes diminuíram bastante. Foram esquecidas. A causa disto talvez seja a tal da crise, com seus milhões de desempregados e naturais desdobramentos socioeconômicos. Outra possível causa tem explicação na correria do dia-a-dia a que todos nós estamos sujeitos. O tempo passa tão rápido que minha esposa costuma falar que não vale a pena tirar os enfeites em um ano para colocá-los no ano seguinte. “Pra quê? O ano passa tão rápido que não vale a pena”, diz ela... É, a coisa tá ficando séria...
Mas será que a razão destes sintomas “antinatalinos” não se encontra na distração, na crise ou na correria, mas sim em algo mais dramático, como por exemplo, “o espírito de natal está morrendo”? Estas ideias me fazem contar o que aconteceu com minha sobrinha-neta, de quatro anos, nesta noite de natal. Lá foi o meu sobrinho, como vem fazendo nos dois últimos natais, vestir-se mais uma vez com a roupa do Papai Noel. A menina ficou desconfiada, encarava o barbudo, olhava nos seus olhos. Depois de todo o cerimonial clássico, envolvendo aquelas perguntas do tipo “você foi uma boa menina?” e a tão esperada entrega do presente, ele sai de cena, para trocar a roupa de “Papai Noel” pela de “papai”. Quando volta, a pequenina fala, na lata: “Era o papai que estava vestido de Papai Noel”. Diante desta descoberta, parece que foram os adultos que mais sentiram a quebra do encanto natalino. Minha mãe chegou a considerar que ela poderia ter ficado, de certa maneira, chocada com o acontecido. Mas que nada! Pois que agora, quando perguntam para a garotinha se o Papai Noel existe, a resposta é sempre a mesma e sem sombra de dúvida: ”Sim”.
Ela está certa, o Papai Noel existe, acima de qualquer desmascarada. Mesmo que os enfeites diminuam, ou que os distraídos não percebam árvores de natal de dois metros de altura. Apesar de tudo, ele existe.

sexta-feira, 9 de dezembro de 2016

MERCADO MUNICIPAL, AQUI AGORA



Dia 14/11, véspera da proclamação da república, segunda-feira, emenda de feriado. Fim-de-semana prolongado, com chuvas igualmente prolongadas... O que fazer nesta tarde, para onde passear? Depois de descartar as demais alternativas, o mercado municipal surge como o lugar ideal. Pode chover que não tem problema, pois é coberto. Lugar histórico, com uma bela e preservada arquitetura.
A família é composta por quatro integrantes, mas só três decidem passear. Odranoel, o filho de 16 anos, quer ficar em casa, jogando no computador. Esinom, a filha de 22, está ansiosa para conhecer o ponto turístico. Asiram, a mãe, 52 anos, faz uns 40 ou mais que seus pés não pisam o chão daquele secular mercado. Também está ansiosa com o passeio. Antes de mencionar o último integrante, devo dizer que a sogra também vai. Dona Ahnizeret, 76 anos, mãe da mãe, ponta firme pra qualquer parada, principalmente as loucas aventuras da família Avlis Onerom. E, fechando o quadro dos participantes desta mais nova expedição do nosso intrépido clã, Rimeda, o pai, 52 anos. Este vai porque vai. Sem entusiasmo. Tanto é que quando todos estão esperando o uber na calçada, em frente à casa, ele ouve da esposa: "Se for para ir com essa cara é melhor ficar!".
Da viagem de ida, duas coisas merecem destaque: a longa duração do trajeto e as habilidades do motorista. Durante a hora e meia de prisão no congestionamento, ouvem o condutor do veículo desfilar as suas diversificadas atividades. Neste cansativo percurso, que demora três vezes mais que o normal, ficam sabendo que ele, além de motorista de úber, é corretor de imóveis, marceneiro, padeiro e, ainda por cima, seu filho de oito anos já namora, desde os seis... Família prodígio.
Para quem não conhece, o mercado municipal de São Paulo tem dois pavimentos. O inferior comporta as muitas lojas, o mercado propriamente dito. O superior, que ocupa uma faixa lateral da grande área interna da portentosa construção, abriga alguns restaurantes. Rimeda, o pai, ao ver o preço destes restaurantes, chega à seguinte conclusão: ”Shopping é passeio de pobre. Mercado municipal que é coisa de rico!”. Então decidem comer algo mais barato, ou menos caro, na parte de baixo. Descem a escada e dão de cara com um tal de “Tigrão”, uma lanchonete e pastelaria. Pedem dois pastéis de camarão com catupiry (um para a filha, e outro para o pai), dois bolinhos de bacalhau (um para a mãe, e outro para a sogra) e dois sucos (de laranja para Esinom e de goiaba para Rimeda). Asiram, a mãe, fica indignada ao ver quanto custa o pastel: “Por esse valor eu compro quatro pastéis na feira e ainda sobra!”. Mas ela não sabe que esse do mercado é diferente. Olha, não dá pra reclamar do recheio não. Tem muito camarão mesmo, daqueles meio grandinhos. Nada daquela papinha de camarão. E ainda por cima com uma generosa quantidade de catupiry de verdade. Uma verdadeira refeição. Vale o preço.
Enquanto Rimeda e a filha deliciam-se com as últimas mordidas em seus caros e saborosos pastéis, Asiram e sua mãe vão ao banheiro. Na volta, se perdem. Precisam até ligar para marcar um ponto de encontro: “Estamos em frente ao ‘Porco Feliz’ (um açougue)”. O encontro acontece no local marcado e logo Asiram vai explicando: “A gente saiu do banheiro e chegou no ‘Tigrão’. Mas era tudo diferente, o caixa... e lá tinha mesas... Sabe esses filmes em que o cara volta pro mesmo lugar e tá tudo diferente?”. Mas isto não é nada, meu caro leitor ou ouvinte, espere só para ver. A volta destes quatro indivíduos para casa promete... Porém, antes de contar os desencontros e peripécias no retorno de nossa aventureira família, vamos passear um pouco mais pelo mercado.
“Tem pimenta?”, Rimeda pergunta ao vendedor. E este já vai lhe colocando um tantinho da farinha na palma da mão. Ele prova, constata, e comenta, ao apertar o passo e novamente se aproximar da família: “Esta é apimentada mesmo! Se a mãe comer essa farinha, pega fogo!”. Asiram tem sensibilidade com coisas apimentadas. Também tem sensibilidade com preço alto. Acha tudo caro e vive procurando os preços mais baixos. Este tipo de alergia á saudável para a saúde financeira da família Avlis Onerom, mas aqui no mercado municipal ela está sofrendo, pois não encontra nada barato. Porém, depois de muita procura, acaba por encontrar lascas de bacalhau com um valor aceitável para os seus padrões. “Tá mais barato”, ela fala e mostra para os outros três. Momentos de indecisão. Apesar de a filha dizer para aproveitar e já comprar, a mãe decide comprar depois, no final do passeio.
Corredores cheios, muita gente. Neste cenário um tanto conturbado, os vendedores nem se preocupam em gritar ou anunciar suas mercadorias. Ficam quietos, afinal tem tanta freguesia pra lá e pra cá que nem precisam fazer propaganda. Também quase não oferecem os seus produtos para degustação. Além da farinha apimentada, o que aparece para provar é somente uva, queijo e café, sendo que este último só é saboreado por Rimeda, que fica sabendo do preço: o dobro do normal, pois se trata de café orgânico, proveniente do interior... Sertãozinho? Muzambinho? O pai já não mais se lembra do nome da cidade. Quanto ao queijo, em pequenos pedaços sobre a bandeja, enquanto uma multidão de dedos procura capturá-los, recebe a aprovação de Rimeda e Esinom. Asiram, a mãe, pergunta se é muito salgado. O pai e a filha respondem que não, que o queijo é bom, macio. A uva, ao contrário, não agrada os paladares. Primeiro se interessam pelo seu formato, bastante comprido. Comentam algo e logo o vendedor oferece a fruta, dizendo que é usada para produzir a bebida “chandon-sei-lá-de-quê”. É somente Esinom que ouve este comentário, mas logo esquece o nome.
Do mercado, acabam comprando quatro paçocas e um pacote de balas. Uma paçoca para cada um deles e as balas para Odranoel. Compram também castanhas quebradas. Com relação às lascas de bacalhau, procuram por aquela que está com um preço bom, mas não mais a encontram. As lojas já estão fechando, fato este que leva à seguinte conclusão de Rimeda: “Deve estar em uma loja que já fechou”. Esinom, dirigindo-se à mãe, não deixa por menos: “Eu te falei para já comprar naquela hora!”. Após dizer isto, fala algo mais para a mãe e afasta-se, sozinha. Rimeda pensa que ela vai procurar as tais lascas, mas depois ela lhe aparece com um enorme espeto com gigantescos morangos cobertos com calda de chocolate. Ele não entende como pode caber tanta comida naquele corpinho miúdo, sem barriga nenhuma.
Pronto. Aos nossos quatro aventureiros só lhes restam o caminho de volta. E, quanto a você, estimado leitor ou ouvinte, pode se preparar. Logo adiante vêm muito mais aventuras e trapalhadas dessa turma. Vamos começar a relatar os acontecimentos a partir do ponto em que eles estão em frente ao mercado municipal, esperando o uber.
“Quer esperar? Chama o uber. Quer ir agora? Vai de táxi!”, gritam dois rapazes, postados na calçada. São os garotos-propaganda dos taxistas, uns três ou quatro que se enfileiram com seus carros brancos, rente ao meio-fio. Revezam-se nos gritos, os nossos indivíduos encarregados do marketing. E sabem fazê-lo, pois, conforme o tempo passa, a proposta “vai de táxi” fica cada vez mais tentadora, apesar do preço, consideravelmente maior. A primeira reserva do uber é cancelada pelo motorista. A segunda chamada demora a chegar, pois o trânsito está intenso. Na tela do aplicativo, o tal carrinho que aparece no mapa custa a se aproximar. Fica dando voltas, travado há vários quarteirões de distância. Enquanto isso: “Quer esperar? Chama o uber. Quer ir agora? Vai de táxi!”.
Então, depois de muita espera, o motorista liga para Esinom. Diz ele: “Estou em frente ao mercado municipal”. Mas que “em frente” é essa que não acham? Não entendem. Saem em busca do automóvel procurado. Modelo: Sandero. Quanto à placa, já está gravada na memória de Rimeda, que se adianta em passadas apressadas pela Avenida do Estado. Quer encontrar logo o carro encomendado, pois não deseja expor a família em andanças por lugares arriscados. Mas o problema é que ele está sem o seu celular, que, sem carga, repousa tranquilamente na mesinha da sala. Geralmente acontece isso. Ele deixa a bateria acabar e, quando está saindo, ao notar a inoperância do aparelho, acaba largando-o em casa. Mas ele, neste momento, nem está pensando em celular. O que faz somente é cravar o olho nas chapas dos carros. Quer achar rapidamente o transporte para que todos saiam logo dali. Vira a esquina e continua, sem nada encontrar. Passa por outra esquina, vai dando a volta no mercado, sem olhar para trás, e nada do uber.
Vamos agora acompanhar os outros integrantes da família, que veem Rimeda se afastar mais à frente. De repente o celular de Esinom toca. É o motorista, novamente. Ele explica que, na verdade, não está bem em frente do mercado, mas sim um pouco distante, no quarteirão ao lado. Diz o nome da rua e o número. Então, com esta nova informação, alcançam finalmente o tão procurado Sandero. Logo que Esinom avista o veículo, espera encontrar seu pai lá dentro do carro, sentado, aguardando-os. “Saiu na frente e encontrou antes da gente”, pensa ela. A surpresa não é somente dela, mas de todas as três, quando constatam o sumiço de Rimeda. Asiram sai em busca do marido, enquanto Esinom e Dona Ahnizeret acompanham a espera do motorista. Este, por sua vez, já demonstra sinais de irritação e impaciência, devido à demora e principalmente porque seu carro está parado em local totalmente irregular, sujeito a multas. Então pergunta: “Quantos anos ele tem?”. Refere-se ao indivíduo que está desaparecido, imaginando tratar-se de alguém idoso, talvez bem idoso, que está perdido por qualquer incapacidade característica da idade. A filha hesita em responder, um tanto envergonhada pelo pai. “Ele tem 52 anos”, acaba falando. O condutor do uber rebate, com uma expressão nada boa: “É mais novo que eu”.
Mudando de cena, vemos neste momento a busca de Asiram, que vai outra vez até a entrada do mercado onde ficam parados os táxis. Olha para um lado, para outro, e nada do marido. Irrita-se ao ouvir a propaganda, dita a plenos pulmões: “Quer esperar? Chama o uber. Quer ir agora? Vai de táxi!”. Tem que achá-lo rapidamente, pois o motorista do uber está esperando.
Onde, afinal, está Rimeda? Arrisca algum palpite? Bom, o que eu posso dizer é que ele acaba dando duas ou três voltas em torno do mercado. Quando passa em frente àquela mesma entrada, escuta a mesma ladainha: “Quer esperar? Chama o uber. Quer ir agora? Vai de táxi!”. Isto lhe causa uma mistura de sentimentos: arrependimento, irritação e vergonha. Olhando os propagandistas, pensa: “Será que eles me reconheceram? Será que se lembram que eu estava aqui com a minha família e que não quisemos pegar táxi? Será que perceberam que eu estou perdido, que a família se perdeu?”. E ele continua, com um olho cravado nas chapas de todos os carros e com o outro olho em busca dos seus familiares. Preocupa-se, imagina um sequestro dos entes queridos. Mas ao mesmo tempo não dá muito crédito para este cenário trágico. “É muito azar. Já não basta o azar de terem se perdido, é preciso ter outro azar em cima para serem vítimas de um sequestro”, este é o pensamento que lhe passa pela cabeça. Então muda a estratégia e inclui outro elemento para procurar. Busca por um telefone público, os “dinossauricos” e quase extintos orelhões. Encontra um em frente a uma das entradas do mercado, do outro lado da rua. Pega o aparelho e leva-o ao ouvido: sem linha. Prossegue na tentativa de encontrar uma maneira de se comunicar com a família. Cogita a ideia de pedir emprestado um celular ou entrar em algum bar ou qualquer estabelecimento comercial a fim de ligar para a esposa. Porém acha que ainda não precisa adotar esta atitude que, de certa maneira, lhe parece um tanto abusiva ou exagerada. Decide continuar a sua caça aos orelhões. Afasta-se um pouco do mercado. Até que chega a um cruzamento onde lhe aparecem três espécimes do dinossáurico meio de comunicação. “Um deles deve estar funcionando. Não é possível que os três estejam quebrados”, conclui Rimeda. E ele tem sorte, pois logo o primeiro dá linha.
Digita o número de Asiram, a cobrar. Tem certa dificuldade para ouvir a gravação, mas entende que ela quer dizer que este tipo de ligação não é permitido. Assim sendo, liga para sua casa. Odranoel atende. Ele explica para o filho a situação. Pede para ele ligar para a mãe. “Fala pra ela que é para se encontrar comigo na mesma entrada do mercado em que a gente estava antes”, estas são as palavras do pai. Então Rimeda espera, pois quer aguardar o contato do filho com a mãe, para saber como estão. Pretende conversar mais uma vez com Odranoel, antes de partir para o local do encontro.
Asiram recebe a ligação do filho com alívio, pois a mesma comprova que o marido encontra-se bem. Mas o alívio cede lugar para a impaciência quando nota a demora de Rimeda. “Já era para ele estar aqui”, conclui ela. Não consegue ficar parada, só esperando. Vai para a esquina da Avenida do Estado. Volta. Então liga para Odranoel. Depois para Esinom, para falar que podem ir embora com o uber, para não atrasar ainda mais o motorista. Mas, de alguma maneira, continuam esperando, pelo menos mais um pouco, pelo resgate do pai.
E por falar em uber, vamos dar uma olhada nos acontecimentos que cercam o cada vez mais irritado motorista. Ele sabe que se tomar uma multa, isto inviabiliza totalmente a corrida e tira-lhe também o lucro de muitas outras viagens. Enerva-se por estar estacionado em local proibido, por atrapalhar o complicado fluxo local, composto por pedestres, automóveis e carrinhos puxados por sucateiros, e vai disparando: “Por que vocês não andam todos juntos? Por que a família não anda junta? (...) Ele está sem o celular? Então que pegue o celular de alguém na rua! Fala que é uma emergência!”. Enquanto isso, Dona Ahnizeret, com seus 76 anos, sente-se cansada pela caminhada, pela espera prolongada, e já vai procurando onde se encostar, ao mesmo tempo em que diz: “Acho que dá para eu encostar aqui... Se o dono do carrinho chegar, aí eu saio”. Esinom, sempre assustada com tudo, já vê a vó desabar junto com o carrinho, no que lhe parece ser um frágil e arriscado equilíbrio... ”Já cheguei”, anuncia o sucateiro, que surge por trás da sogra de Rimeda e já vai falando: “Pode ficar, minha senhora. Eu vou sair daqui a pouquinho, mas até lá pode ficar...”. E o condutor do uber continua inquieto, pra lá e pra cá, cavando um buraco no chão com a sua impaciência.
Daquele mesmo olherão, Rimeda procura falar novamente com o filho. Tenta umas duas ou três vezes até que, por fim, a ligação completa e Odranoel atende. O pai já vai logo perguntando: “Conseguiu falar com a mãe?”. Quando fica sabendo que sim, tranquiliza-se. “Estão todos vivos e bem! Graças a Deus!”, é o que pensa. Mas o filho interrompe este breve instante graça ao dizer, chamando a atenção do pai: “Você ainda não foi se encontrar com a mãe? Ela tá esperando!”. E lá vai o marido, aliviado, encontrar-se com a esposa.
Ao se aproximar da entrada do mercado municipal, Rimeda lança o olhar ao longe, em busca de Asiram. Encontra-a voltada de costas, na esquina da Avenida do Estado. Agrada-lhe ter esta visão e, principalmente, ter a certeza de que aquelas costas, aquelas omoplatas e ombros, não lhe restam dúvidas que pertencem à sua querida esposa, sua sã e salva esposa. Tão logo se encontram, ela apressa-se em dizer: “Eu já falei pro uber ir embora!”. E imediatamente liga para a filha, na tentativa de reverter a situação.
Agora vamos acompanhar Esinom e a avó, desde o momento em que a mãe manda o uber partir. A jovem aperta o celular contra o ouvido e tenta confirmar o que acaba de ouvir. “Mãe, tem certeza que a gente pode ir embora?”. Após a resposta positiva, entram no carro, Dona Ahnizeret e a neta, com um vazio por dentro, denunciando a falta de dois integrantes da família. Vão quatro e voltam dois. Não está certo... Mas para o motorista está mais do que correto. Engolindo palavras e sentimentos negativos, esforça-se para conter a explosão. Não se conforma com o enorme tempo de espera, com o transtorno da agitação do centro da cidade, com as multas que podem aparecer... A ligação de Asiram surge realmente no último instante. Ao mesmo tempo em que Esinom ouve a boa notícia, o Sandero manobra e começa a sair. “Achou eles!”, exclama a filha. Ato contínuo, o motorista rebate, atordoado: “Eles?!? Tem mais que um perdido?”. “Não não! Eu falei errado...”, justifica-se ela, enquanto percebe que ele volta a manobrar para colocar o carro no mesmo lugar anterior.
Ufa! Tudo está resolvido. Meu caro leitor ou ouvinte, permita-me contar agora a reação de Odranoel, com seus 16 quase 17 anos, ao saber do final feliz do resgate de seu pai. A mãe liga, informa a boa notícia, e ele simplesmente diz: “Amém!”. Olha, partindo do Oel (apelido de Odranoel), este “amém” representa muita coisa mesmo, pode ter certeza.
E assim acaba a odisseia da família Avlis Onerom, só para comprovar que um simples passeio no mercado municipal da cidade de São Paulo nem sempre é tão simples assim...

sábado, 29 de outubro de 2016

A SACOLA

Robson caminhava regularmente, duas vezes por dia, vinte minutos por vez, indo e voltando do serviço. De sua casa até o ponto do ônibus fretado e deste mesmo ponto até chegar novamente à sua casa.
Ganhava o pão na área de exatas e divertia-se com o exercício da criatividade, estimulando o outro lado do cérebro com a elaboração de textos, geralmente crônicas.
Costumava buscar ideias enquanto andava. E como naquela madrugada estava difícil encontrar sequer um fiapinho de inspiração para um novo texto, eis que mudou o foco e olhou para a copa da árvore que se aproximava.
Havia uma sacola plástica amarrada a um galho.
Era branca, fina, pouco menor que aquelas usadas em supermercados, opaca o bastante para não permitir a identificação do seu conteúdo, mas ao mesmo tempo translúcida na dose exata para despertar a curiosidade.de Robson. Acompanhou com a cabeça o objeto que se erguia em seu campo de visão. Passou por baixo do mesmo.
Esqueceu-se da tal sacola durante o dia, mas depois, quando voltava do serviço, ao iniciar a rotineira caminhada, já começou a pensar na misteriosa coisa ensacada que se mantinha suspensa... “Será que é merda?”, perguntou-se. Desculpem-me os leitores e, principalmente, as leitoras, por usar uma palavra assim tão vulgar, mas não tive escolha, pois apenas reproduzi, entre aspas, o questionamento de Robson, mantendo-me fiel à sua expressão.
Mesmo com, digamos assim, a... “suspeita nojenta”, que lhe pairava na mente, mesmo assim não se desviou um centímetro sequer da mesma trajetória de sempre, e passou exatamente embaixo do saco atado ao galho.
A partir daí aquela sacola passou a fazer parte do seu dia-a-dia, sempre no mesmo lugar e nos mesmos horários, provocando e despertando-lhe pensamentos.
No dia seguinte, de madrugada: “Vou continuar passando bem embaixo da sacola. É o meu caminho. Nada vai acontecer...”.
Mesmo dia, voltando do serviço: “Eu poderia dar um jeito de tirar isso daí. Subir na árvore ou cutucar com alguma coisa comprida, um cabo de vassoura...”.
Na semana seguinte, em um dia qualquer, de madrugada: ”Uma hora vai acabar caindo. Essa noite choveu bastante. Ela está meio torta. Mais torta que de costume...”.
No mesmo dia qualquer, voltando do serviço: “Pode ser que o galho em que ela está amarrada quebre. O galho é meio fino. Parece que está um tanto ressecado...”.
No mês seguinte: “Está resistindo bastante. Mas não vou alterar a minha rota. É muito azar cair bem na hora em que eu estiver passando embaixo...”.
Cinquenta e quatro dias depois, exatamente às 5 horas, 32 minutos, 13 segundos e 24 centésimos, o galho se rompeu. A sacola, com seu fino e desgastado plástico, iniciou a trajetória de queda, acelerando em direção à cabeça de Robson, na qual espatifou-se logo em seguida...
Moral da história: “Tem hora que se você não fizer nada, o pior pode acontecer. Em uma caminhada, na vida familiar, profissional... Há sacos espalhados por aí... Na política ou economia de um país... Então faça alguma coisa!”.

sábado, 24 de setembro de 2016

SONHEI QUE GANHEI NA MEGA-SENA

Sonhei que ganhei na Mega-Sena. Foi um sonho, é lógico. Mas parecia ser tão real esse sonho, tão real, que nem parecia sonho. Para mim era verdade. A gente vive jogando na Mega-Sena e tentando ganhar. Mas quando vê que a coisa realmente aconteceu, ou, pelo menos, sente como se fosse uma verdade verdadeira, aí então começamos a pensar diferente... Ah, você não concorda? Acha que vai pensar sempre do mesmo jeito e que ganhar na Mega-Sena é sempre bom? Pois veja bem o que aconteceu comigo neste sonho.
Lá estava eu com a realidade diante de meus olhos. Havia ganhado a Mega-Sena. Não sabia o valor. Mas sabia que era muito, muito mesmo. Então começaram os questionamentos.
“O que eu vou fazer com tanto dinheiro? É muita responsabilidade... Para mim, quanto mais dinheiro se tem, mais aumenta a responsabilidade. É todo aquele lado humano, espiritual, que diz pra gente que devemos fazer bom uso da riqueza, ajudar os outros e tudo mais... Mas quanto devo empregar de toda a minha fortuna neste sentido? Quantos por cento? Dez por cento? O dízimo, pregado por algumas religiões, seria a quantia certa neste caso? Mas ainda sobraria muito, muito dinheiro... E com tanta gente passando necessidade... Que percentual usar nesse tipo de coisa? Como usar? Como escolher as melhores maneiras de ajudar? É muito dinheiro envolvido...”.
E o sonho prosseguiu, cada vez mais intenso, cada vez mais real. Eu era o personagem único e, bailando ao meu redor, os pensamentos atiravam flechas que perturbavam o que, para muitos, seria motivo de extrema felicidade:
“Como aplicar o dinheiro? Comprar imóveis? Guardar tudo no banco? Quais investimentos? Acho que é bom abrir uma empresa, para não ficar só usufruindo da fortuna... Atitude nobre, girar a economia, proporcionar progresso para a sociedade... Mas empresa de quê? Qual ramo? Não importa qual seja, sempre absorverá muito o meu tempo, não terei sossego. Mas é só arranjar uma pessoa de confiança para tocar o negócio. Mas não se acha uma pessoa realmente de confiança assim tão fácil. Mas não precisa ser uma perfeição em termos de integridade... Mas o dinheiro corrompe... Mas... Mas... Mas...”.
Sonho mergulhado em “mas”, já estava virando um pesadelo. E piorou quando pensamentos nefastos, negativos, tomaram conta de mim:
“Todo mundo que se aproximar de mim será por interesse, pensando somente no meu dinheiro... É melhor sumir na vida, desaparecer... Qualquer pé-rapado que tem um pouquinho mais já vira alvo de roubos, sequestros... Imagine agora eu, com toda essa grana! Viver cercado por seguranças, vidros blindados, sem liberdade! Oh meu Deus! O dinheiro compra tudo, todos os confortos e prazeres materiais do mundo em que vivemos... Mas tira a alma da vida, a simplicidade das coisas simples que valem pelo que são, e não pelo que custam... Oh meu Deus! E agora? E agora?”.
Acordei... E dei graças a Deus por ter sido um sonho, por não ter ganhado na Mega-Sena.

sexta-feira, 26 de agosto de 2016

DESARMÔ TÁ BOM?

Fomos para as olimpíadas. Foi uma aventura que renderia um grande conto. Mas como não quero escrever um conto e sim uma crônica, não poderei narrar nada sobre a cansativa volta a pé em torno do Riocentro, ou a respeito do monopólio dos chineses no tênis de mesa, nem tampouco descrever a maratona em busca da praia de Copacabana. Terei que deixar de lado a emocionante torcida pelos heroicos mesatenistas brasileiros. Nenhum comentário sobre os erros cometidos ao se tentar seguir o GPS por entre as intermináveis avenidas do Rio. Muito menos sobre o sono e cansaço que me consumiam enquanto dirigia da cidade maravilhosa até Volta Redonda, onde dormimos.

Não há espaço para descrever a busca pelo hotel, já tarde da noite, cercados pelas ruas de Volta Redonda, que são todas numeradas, mas que justamente a rua procurada não constava no GPS... Seria interessante contar algo sobre o lanche à meia-noite, a insônia, a pequena e antiga exposição radiofônica do hotel... Sobre as multas que eu espero que nunca cheguem... Sobre a parada, na volta, em Aparecida do Norte... A desastrosa saída do estacionamento... Mas não, chega! Vou logo ao foco a que pretendo me deter nesta crônica.

Quero falar sobre sotaque. Sim, porque neste imenso Brasil, o sotaque traz enormes diferenças de região para região. Minha filha até anotou um caminho que indicaram para sair do shopping e pegar novamente a avenida, pois um trecho da mesma estava fechado... Tomarei a liberdade de reforçar o s, repetindo a letra e destacando em negrito. Você, leitor, procure imaginar aquele sotaque carioca, extremamente carregado de ésses que mais lembram o som do x ou do ch. Aqui vai. O caminho indicado foi este: Rio doisss, atrásss do ssshoping, vira à esssquerda, retorno na frente, tudo por trásss. Imagine um ouvido paulista ouvindo todo esse xxxixxxixxxi... Achamos muito estranho!

Mas não é só o sotaque... É também o jeito de falar, as palavras. Para ilustrar, contarei uma situação engraçada que aconteceu em um posto de gasolina, em Volta Redonda. Uma frentista morena, de porte um tanto encorpado sob o macacão, foi quem nos atendeu. Eu disse que era para completar e ela colocou a bomba no bocal. Depois de um tempo, falou para minha esposa: Desarmô tá bom?. Marisa boiou, não entendeu nada e respondeu: Tá tudo bem.... Então a frentista, percebendo que a resposta não condizia com a pergunta, repetiu, desta vez para mim, as mesmas três palavras: Desarmô tá bom?. Como ainda não havia entendido, rebati com outra pergunta: O quê?. Outra vez: Desarmô tá bom?. Só aí compreendi. Respondi que estava bom, ou seja, que não precisava completar com mais gasolina depois da bomba, com o seu mecanismo automático, ter desarmado e cortado o abastecimento... É isso aí, cada região tem o seu sotaque, suas palavras e a maneira de falar. E isso só enriquece o nosso país! Vou ficando por aqui... Abração pra você, de qualquer região do Brasil! (ou do mundo...).

sexta-feira, 5 de agosto de 2016

TRÊS PATETAS EM BUSCA DA TOCHA OLÍMPICA

“Vamos ver a tocha olímpica, mãe?”. Já sabia que ela recusaria o programa proposto. A idade, com suas limitações, já colaborava para a negativa. Mas não é só isso. Rosália sempre teve um gênio menos afeito a aventuras. Contrário do meu pai. Então perguntei para ele, com seus quase 93 anos, três a mais que ela. Enquanto perguntava, cheguei mesmo a pensar que ele até poderia aceitar o convite. Demorou a entender. Repeti mais uma ou duas vezes. A baixa audição é praticamente o seu único problema de saúde. Então respondeu com outra pergunta: a gente vai ter que ficar de pé, vendo? Sim pai, respondi, e ele tornou: vai passar na televisão? Outra afirmativa de minha parte: vai pai. Então Francisco encerrou o assunto, com a espirituosidade que lhe é característica: pois eu vou ver deitado!
Leonardo, meu filho, pregado no computador, veio com outro argumento prático: vocês vão perder duas horas para ver um minuto de tocha? Menos um. Restaram esposa e filha e, esta última, só chegaria do serviço meio dia e meia.
Monise chegou e, como estava com fome, decidimos comer rapidamente antes de sairmos. E porque o horário já estava um tanto avançado, fomos diretamente para o último ponto da tocha em São Caetano do Sul: Parque Chico Mendes. A procura por uma vaga para estacionar, nas ruas do entorno do parque que estavam abarrotadas de carros, consumiu mais um tempo precioso. Carro estacionado, iniciamos nossa caminhada em direção ao tão concorrido espetáculo. Olhei para o alto e, mais adiante, vi um helicóptero pairando. Falei: “Olha lá o helicóptero d...”. Não foi exatamente isto que disse. É que eu não quero colocar merchandising neste meu texto... Mas logo depois a aeronave encarregada da cobertura televisiva desapareceu no céu, e restou somente a suspeita de que estávamos chegando tarde demais... Esta suspeita se concretizou como uma realidade quando começamos a ver grupos de pessoas caminhando em sentido contrário ao nosso, afastando-se do parque com brindes festivos nas mãos. Monise sugeriu que conversássemos algo do tipo “estamos indo visitar fulano de tal, nosso parente”, algumas palavras para disfarçar a vergonha. Os grupos de pessoas se adensavam ao nosso redor, todos voltando, com expressões felizes por terem testemunhado tão importante episódio do esporte mundial... Até que nossos passos vacilaram e resolvemos assumir o fracasso. A Má (Marisa) e a Mô (Monise) ficaram aguardando na esquina enquanto eu fui buscar o carro.
Todos no carro novamente, tentamos estabelecer uma rota de interceptação da tocha. Vai ser muito patético se ficarmos correndo atrás da tocha sem conseguir alcançá-la, foi o que pensei, e acho até que disse algo neste sentido. Mas então, como não somos de desistir fácil, decidimos ir para a Avenida Dom Pedro, em Santo André. No trajeto, as costumeiras lamentações “e se a gente tivesse feito assim ou assado, não teríamos perdido”... Queixava-me principalmente por termos deixado escapar a oportunidade de presenciar a chama olímpica sendo conduzida pelo grande atleta Arthur Zanetti, nosso maior representante da ginástica artística, de São Caetano do Sul para o mundo, maravilhando a todos com sua habilidade e força nas argolas. Referia-me a ele como “primo”. Não é um exagero, pois acredito que sejamos primos distantes. Algo do tipo assim: o bisavô dele foi irmão do meu avô. Fiquei um bom tempo na internet tentando comprovar este parentesco distante, mas nada consegui. Tudo bem. Sei que o leitor vai pensar, com razão, que é só alguém ficar famoso que todo mundo quer ser parente do sujeito. Mas deixa pra lá. O que importa é que, naquela hora, junto com minhas queixas, desembestei a falar uma porção de “primo” ao me referir ao famoso ginasta, fato que acabou por irritar minha filha, que nunca engoliu esta história...
Até estacionarmos o carro novamente, mais alguns incidentes normais em uma família normal, ou seja: dei voltas, críticas pra lá e pra cá, nervosismos, desentendimentos, etc. Mas acabamos dando sorte. Estacionamos em uma travessa, perto de uma aglomeração de pessoas, que se concentrava em frente a uma concessionária da Avenida Dom Pedro. E foi aí que ficamos. Então eu, para passar um pouco o tempo antes da chegada do badalado símbolo olímpico, entrei nesta concessionária, enquanto a Má e a Mô ficaram na calçada esperando. Dei uma olhada no carro que, já há um bom tempo, vem sendo objeto dos meus desejos materialistas (não vou revelar qual é este veículo; nada de merchandising novamente). Entrei, conferi o espaço interno, o painel, a visibilidade. Olhei o porta-malas. Gostei. Só não gostei das opções de cores. Que saudades da variedade de cores da década de 70. Com poucas exceções (branco, vermelho e preto), todo o restante forma a maioria cinza que popula nossas ruas e avenidas... Mas acabei encontrando um azul bem bonito, que me agradou. Então, de repente, a vendedora que me atendia disse que o pessoal na rua estava se agitando, dando sinais de que a tão esperada tocha se aproximava. Interrompi minha pesquisa automobilística e lá fui eu presenciar o momento histórico.
Vans, ônibus e caminhões dos patrocinadores antecederam a chama olímpica. Vários brindes foram distribuídos. Música, animação, bandeiras... Teve até um show em movimento, uma espécie de batuque eletrônico de dois sujeitos em frente de um grande telão, tudo isto sobre a caçamba adaptada de um caminhão promocional. No meio disto tudo, andando pra lá e pra cá, fazendo sinal de positivo, dando a mão, cumprimentando, levantando o braço, pulando, lá estava o festivo e próximo condutor daquele fogo que estava aceso por mais de três meses! Com uma tocha apagada na mão, aguardava ansiosamente a chegada da chama que havia sido acesa na Grécia e que havia esquadrinhado quase todo o território brasileiro. Era ele a figura mais importante naquele momento. Cabelo pintado de azul, sua presença foi requisitada em fotos, ao lado de criança e em selfie. Era conhecido por um ou outro que passava na carreata de veículos promocionais e de organização do evento. Chamaram-no de “esquerda”, “esquerdinha”...
Então eu, desastrosamente, liguei as coisas: cabelo azul, “esquerdinha”. O time de futebol São Caetano, o Azulão, tinha um tal de “esquerdinha”. Então arrisquei e perguntei se ele jogava no São Caetano. Ele respondeu, e percebi certa contrariedade e nervosismo em sua resposta, quando disse: “Não não! Santo André!”. Eu devia ter me tocado que na cidade de Santo André, onde estava, não fazia o menor sentido homenagear algo ou alguém da cidade vizinha, São Caetano. Mas não foi só isso, porque depois, quando fui pesquisar na internet sobre este ilustre condutor da tocha, só aí percebi o tamanho da minha mancada. Era chamado de Esquerdinha porque, no passado, de tanto comentar um importante gol do jogador Esquerdinha, acabou por levar o mesmo nome. Então descobri que o sujeito é um torcedor pra lá de fanático do Santo André. Só para ilustrar o grau de fanatismo, por várias vezes perdeu o emprego em consequência disto. Trabalhava como motorista e abandonava as entregas para prestigiar o time do coração. Certa vez, por seu chefe não deixá-lo ver uma final de campeonato na qual o Santo André heroicamente lutava pelo título, isto porque este chefe era torcedor do São Caetano, este incidente acabou por desagradá-lo a tal ponto que, dois meses depois, pediu as contas. Foi aí que entendi a sua reação quando lhe perguntei se jogava no São Caetano...
Bom, voltando à tocha, devo dizer que tivemos a maior sorte no revezamento da mesma, isto porque este importante momento aconteceu bem diante dos nossos olhos, nem um metro a mais, nem um a menos. Neste ponto levamos vantagem, pois se tivéssemos chegado a tempo no Parque Chico Mendes, com certeza teríamos visto muito pouco da tocha, pois ali ela estaria cercada por um número bem maior de pessoas e de seguranças, sujeita à grande badalação que só faz aumentar a distância, afastando-a dos reles mortais que querem, mas não conseguem, vê-la de perto... Pois bem, o tal Esquerdinha aguardou a chama olímpica, que chegou pelas mãos de uma mulher que eu não conhecia (e que ainda não conheço, pois nada pesquisei na internet). A sua tocha foi acesa e lá foi ele, sob gritos e aplausos...
Foi assim. Rápido. Mas valeu a pena. Um momento marcante.
E que venham os jogos olímpicos! E que ocorram em paz... Que as sombras do terrorismo passem longe, ou melhor, que nem passem, nem aqui no Brasil e nem em qualquer lugar do mundo. Mas este assunto de terrorismo é coisa para outro texto... O que importa é que agora, neste fim de semana, irei para o Rio de Janeiro, coração das olimpíadas de 2016, prestigiar uma das eliminatórias do tênis de mesa. É isso mesmo! Eu e meu filho, Leonardo, gostamos deste esporte que aqui no Brasil é marginalizado... Vamos nós quatro: “AdeMáMôLéo”! Talvez esta aventura renda mais um texto... E que Deus nos proteja!

sexta-feira, 1 de julho de 2016

O NOME DAS COISAS

Comecei a pensar sobre o nome das coisas. Mas tá tudo errado! Veja só se eu não tenho razão...
Se a operação Lava-Jato fosse a jato mesmo, não demoraria tanto para terminar. Essa investigação não acaba mais!
Você não concorda que deveria ser arvorizado ao invés de arborizado? Ou você fala árbore no lugar de árvore?
Se o Reino Unido fosse unido mesmo, então eles não iriam querer sair da União Europeia, ficariam unidos com os outros países da Europa. Mas eles são tão desunidos que agora a Escócia quer se separar. E a Irlanda também. Reino Desunido! E olha que esta moda pode pegar. França, Holanda, Suécia, Itália, todos eles agora estão namorando a ideia de se divorciarem da União Europeia. Desunião Europeia.
Mas o reino em que os nomes são todos ao contrário é o reino animal, na verdade em um animal em particular: o boi. Nesta única espécie encontramos cortes de sua carne que foram batizados com nomes que só servem para nos confundir. Se lhe oferecerem um patinho para comer, saiba que não tem nada a ver com pato. É uma região que fica entre o coxão mole e o coxão duro do boi. É um tal de colocar um animal dentro de outro... Dentro do mesmo boi encontramos o lagarto, também conhecido como tatu, que é de onde sai o rabo do primeiro, entendeu? Do outro lado do corpo, atrás do pescoço, tem o cupim. Acima do “músculo do dianteiro” fica um peixinho que, incrivelmente, vive fora d’água... Mas não tem só animais no interior do bovino, pois eis que encontramos a fraldinha, mas não sei se é descartável ou não. Sobre o peixinho o boi guarda a sua raquete, da qual faz uso nos fins de semana, quando vai ao clube de tênis para treinar e manter a forma. E, para completar, até colocaram coisa de fêmea no macho boi: maminha. É uma confusão mesmo.
E pelo jeito o homem tem uma queda para batizar coisas com nomes de animais. Para trocar o pneu você levanta o carro com o macaco. Mas em algumas oficinas é possível encontrar uma ferramenta muito maior, também usada para levantar grandes pesos, cujo nome é jacaré. Por falar em carro, os mesmos saem das fábricas em direção às concessionárias transportados por longos caminhões denominados cegonhões. Na outra ponta do parafuso colocamos uma porca. Para apertar usamos o alicate. Mas, quando apertamos uma borboleta, usamos a mão mesmo. Quando acertamos algo bem no alvo, dizemos que acertamos na mosca. Se uma pessoa está enrolando, fazendo hora, falamos que ela está cozinhando o galo. Se acontecer um resultado inesperado, improvável, aí então deu zebra...
Na verdade, em todos estes nomes aqui colocados, acho que podem ser encontradas as razões que os justificam. É, pensando bem, provavelmente os nomes das coisas estão certos...
Mas agora estou pensando... Por que colocamos nomes de animais em tantas coisas?

sábado, 4 de junho de 2016

TÁ TRANQUILO, TÁ FAVORÁVEL

De repente, no mundo interconectado e instantâneo no qual vivemos, alguma coisa se espalha com velocidade astronômica. Cai na boca de todo mundo. Tem até um termo novo, mais especificamente um verbo, que é usado para identificar tais situações: viralizar. Quando determinado conteúdo propaga-se de maneira exponencial pela internet, diz-se que viralizou. Pois bem, uma das últimas ondas que nos invadiu, como um surto repentino, foi a expressão: “Tá tranquilo, tá favorável”. Vindas de uma música de um tal MC Bin Laden, estas quatro palavras tomaram conta dos comentários nas redes sociais. E se incorporaram ao vocabulário. Viraram uma espécie de chavão filosófico. Chegou até a aparecer em propaganda de automóveis na TV. E cheguei até a fazer brincadeira. Estávamos eu e minha família no carro, na portaria de um parque aquático, prestes a entrarmos para uma estadia de quase três dias, quando o atencioso funcionário nos orientou: “É só seguir em frente, por esse caminho, tranquilo...”. Então eu rebati, espontâneo: “Tá tranquilo, tá favorável”. Todos nós rimos.

Um dia desses, em uma pausa no serviço na qual fui à busca de um cafezinho na copa, eis que ouvi: “Tranquilo?”. Era o cumprimento de um amigo que trabalha na outra ala do andar, ao que eu respondi: “Tá tranquilo, tá favorável!”. Afastei-me do recinto. Então tive uma ideia. Voltei e com ele compartilhei o pensamento filosófico que me surgiu, dizendo: “O segredo da vida é estar sempre tranquilo, mesmo quando a situação não seja favorável”. Neste momento ocorreu a ruptura, quando ficou claro que, apesar de estarem colados no chavão que viralizou, nem sempre o “tranquilo” e o “favorável” andam juntos.

Então comecei a pensar sobre esta questão... Quem consegue ficar tranquilo quando a situação não está favorável? É difícil. É um grande desafio. Mas tenho a impressão de que o sujeito que consegue esta proeza vive bem melhor. Isto porque, muitas vezes, a situação fica desfavorável, ou menos favorável, justamente devido à nossa intranquilidade. Afinal, não é verdade que quando estamos nervosos, inquietos ou apressados, aquela pequenina porca sempre nos escapa da mão e desaparece diante dos nossos olhos? É verdade sim, neste nosso estado de alma, a diminuta peça parece que ganha vida e brinca de se esconder. Some no chão ou, pior, mete-se em cada lugar, os piores lugares, dentro do aparelho com o qual estamos lidando... E ficamos mais nervosos, com o parafuso na mão, e esta nossa falta de tranquilidade agrava ainda mais a situação. É o intranquilo que induz ao desfavorável, e vice-versa, em uma realimentação negativa que nos puxa para baixo.

Mas quem consegue romper com este ciclo, este sim demonstra sabedoria. Entendeu que pode ficar tranquilo, mesmo quando a situação está desfavorável...

Bom, eu poderia estender-me muito mais sobre essas coisas... Mas, como não pretendo fazer uma crônica de autoajuda, vou parando por aqui. Pelo menos acho que este texto serviu para mostrar que se pode tirar algo de útil de conteúdos aparentemente bobos que viralizam por aí...