domingo, 24 de abril de 2016

PEQUENO ENSAIO SOBRE O ANONIMATO

O anonimato é algo que costuma envolver muitas contrariedades. Pois veja bem, ontem mesmo tomei conhecimento de uma notícia que ilustra bem o que quero dizer. Jovens infratores realizaram mais um sequestro relâmpago. Apoderaram-se do carro, com o qual entraram no shopping e, usando o cartão da vítima, efetuaram vultosas compras. Até aí, tudo normal. Normal entre aspas, pois não podemos admitir que uma violência desta monta seja coisa normal. Mas poderiam, ou melhor, deveriam, se fossem mais espertos, manterem-se no anonimato. Porém, o desejo de ostentação falou mais alto. Horas depois, ao comemorarem na noite o sucesso da empreitada, acabaram colocando fotos na rede social, posando com largos sorrisos ao lado dos novos pertences. Resultado: todos presos. Regra número 1 do anonimato: "O horror ao anonimato pode até  levar um criminoso a se denunciar".
Outro ponto bastante interessante do anonimato é sobre como as pessoas do mundo artístico se empenham em evitá-lo, geralmente no começo de carreira. Querem mostrar o seu trabalho, querem aparecer, pois é assim que garantirão um futuro promissor... Mas depois, quando a fama chega ao ponto de tornar suas vidas patrimônios exclusivos dos fãs, com a mídia se julgando no direito de vasculhá-las como bem entender, aí então perseguirão o anonimato com muito mais afinco do que antes fugiram dele. O maior desejo será passar despercebido. Daí se explica o fato de estas pessoas por vezes apelarem até para disfarces. Colocam uma peruca e uns óculos escuros só para parecerem ser apenas mais um indivíduo qualquer, para não aparecerem... Agora estamos prontos para enunciar a regra número 2 do anonimato: "O desejo por anonimato é inversamente proporcional à sua existência. Quanto menos se tem, mais se quer, e quanto mais se tem, menos se quer".
Até os animais, em certas ocasiões, não querem nem saber do anonimato. Para ilustrar esta realidade, contarei o que aconteceu comigo há umas duas semanas. Estava eu em minha caminhada, em uma tranquila tarde de domingo, quando, ao aproximar-me de determinada árvore ao pé do viaduto, decidi não desviar meu trajeto. Já fazia um bom tempo que evitava passar debaixo daquela árvore, com medo dos ataques de certo pássaro em defesa do seu território. Mas desta vez resolvi não dar a volta, afinal o coitado do pássaro nem devia estar mais por lá, depois que brutalmente cortaram várias árvores naquela via pública. Além disto, alargaram a rua, refizeram a calçada e, para completar, cercaram um pequeno canteiro de obras bem debaixo da tal árvore. Pensei que, com certeza, o pássaro agressor tivesse abandonado o lugar que foi tão agredido... Então, quando já me afastava do temido local, eis que ouço o "grito" do pássaro imediatamente acompanhado por uma bicada no alto da cabeça. Novo ataque! Depois do xingo que saiu de minha boca como um ato reflexo, ao virar-me ainda meio desnorteado, vejo o valente ser plumado sobre os paralelepípedos. Altivo, deu até uma balançadinha no rabo comprido, querendo dizer assim: "Cai fora! Este é o meu território!". Esta é uma situação que leva à terceira regra do anonimato: "Quem defende o seu território não quer saber de anonimato".
Há situações nas quais o anonimato é condição essencial para a existência de certas organizações. Alcoólatras Anônimos, Neuróticos Anônimos, Disque Denúncia, CVV - Centro de Valorização da Vida, confessionário... Em maior ou menor grau, são exemplos nos quais os usuários destes serviços tendem a não querer aparecer. Mas esta tendência parece concentrar-se apenas nas citadas organizações ou em outras poucas mais que existirem. Fora disso, tudo indica que o mundo caminha para a extinção do anonimato. São câmeras em toda parte, sem contar aquelas que levamos embutidas em nossos celulares. Está cada vez mais difícil fazer algo que ninguém perceba, principalmente algo ruim, o que é uma coisa boa, visto que muitos crimes, hoje em dia, são descobertos e investigados graças a esta exposição involuntária. A internet, as redes sociais, a velocidade dos meios de comunicação, são fatores que induzem ao "aparecer", desnudando o ser humano, uns perante os outros... Aí então fico pensando que esta exposição excessiva poderia gerar um efeito colateral no outro extremo, ou seja, como reação, certas pessoas fariam questão de não aparecerem. Sempre, em qualquer situação. Obsessivamente. Doentiamente... Pronto! Este é o material humano para criar uma nova associação: os "Anônimos Anônimos". Para tratar, anonimamente, os viciados em anonimato. Ficarão contentes neste duplo anonimato...
Mas não vá pensando o leitor que o indivíduo que conseguir escapar a esta ditadura do "antianonimato" cairá fatalmente nas garras do vício pelo anonimato... Isto porque há várias situações em que se busca o anonimato, e a mais nobre delas é aquela relacionada com a evolução espiritual. É muito bonito vermos uma pessoa realizar uma boa ação e procurar, ao mesmo tempo, não ser notada por ninguém... "... não saiba a tua mão esquerda o que faz a tua direita...", está escrito. E já que estamos no campo espiritual de nossa discussão, vem-me à mente as seguintes perguntas: "Deus pratica o anonimato? Ele assina suas obras?". Bom, no sentido literal da questão, é lógico que Ele não assina a sua criação, pois, se não fosse assim, teria sempre uma plaquinha ao lado de uma árvore, de uma montanha, de uma flor, e assim por diante... Escrito: "By God" ou "Made by God". Grafado em inglês, com certeza, por ser o idioma universal... Haveria mais placas do que qualquer outra coisa no mundo...
Agora, falando sério, existem aqueles que dizem que o Criador assina sim todas as suas obras. Basta ter olhos para ver. Ou sentir... Eu, particularmente, quando estou nos meus melhores dias, vejo que "O Cara Lá De Cima" assina todas as suas criações, percebendo então que Ele não está nada interessado em manter-se anônimo. Vejo Deus em tudo e em todos. Verdadeiro estado de graça...
Mas, quando estou em um daqueles dias terríveis, não quero saber de nada e nem ninguém. Quero mesmo é ficar em meu anonimato...