sexta-feira, 26 de agosto de 2016

DESARMÔ TÁ BOM?

Fomos para as olimpíadas. Foi uma aventura que renderia um grande conto. Mas como não quero escrever um conto e sim uma crônica, não poderei narrar nada sobre a cansativa volta a pé em torno do Riocentro, ou a respeito do monopólio dos chineses no tênis de mesa, nem tampouco descrever a maratona em busca da praia de Copacabana. Terei que deixar de lado a emocionante torcida pelos heroicos mesatenistas brasileiros. Nenhum comentário sobre os erros cometidos ao se tentar seguir o GPS por entre as intermináveis avenidas do Rio. Muito menos sobre o sono e cansaço que me consumiam enquanto dirigia da cidade maravilhosa até Volta Redonda, onde dormimos.

Não há espaço para descrever a busca pelo hotel, já tarde da noite, cercados pelas ruas de Volta Redonda, que são todas numeradas, mas que justamente a rua procurada não constava no GPS... Seria interessante contar algo sobre o lanche à meia-noite, a insônia, a pequena e antiga exposição radiofônica do hotel... Sobre as multas que eu espero que nunca cheguem... Sobre a parada, na volta, em Aparecida do Norte... A desastrosa saída do estacionamento... Mas não, chega! Vou logo ao foco a que pretendo me deter nesta crônica.

Quero falar sobre sotaque. Sim, porque neste imenso Brasil, o sotaque traz enormes diferenças de região para região. Minha filha até anotou um caminho que indicaram para sair do shopping e pegar novamente a avenida, pois um trecho da mesma estava fechado... Tomarei a liberdade de reforçar o s, repetindo a letra e destacando em negrito. Você, leitor, procure imaginar aquele sotaque carioca, extremamente carregado de ésses que mais lembram o som do x ou do ch. Aqui vai. O caminho indicado foi este: Rio doisss, atrásss do ssshoping, vira à esssquerda, retorno na frente, tudo por trásss. Imagine um ouvido paulista ouvindo todo esse xxxixxxixxxi... Achamos muito estranho!

Mas não é só o sotaque... É também o jeito de falar, as palavras. Para ilustrar, contarei uma situação engraçada que aconteceu em um posto de gasolina, em Volta Redonda. Uma frentista morena, de porte um tanto encorpado sob o macacão, foi quem nos atendeu. Eu disse que era para completar e ela colocou a bomba no bocal. Depois de um tempo, falou para minha esposa: Desarmô tá bom?. Marisa boiou, não entendeu nada e respondeu: Tá tudo bem.... Então a frentista, percebendo que a resposta não condizia com a pergunta, repetiu, desta vez para mim, as mesmas três palavras: Desarmô tá bom?. Como ainda não havia entendido, rebati com outra pergunta: O quê?. Outra vez: Desarmô tá bom?. Só aí compreendi. Respondi que estava bom, ou seja, que não precisava completar com mais gasolina depois da bomba, com o seu mecanismo automático, ter desarmado e cortado o abastecimento... É isso aí, cada região tem o seu sotaque, suas palavras e a maneira de falar. E isso só enriquece o nosso país! Vou ficando por aqui... Abração pra você, de qualquer região do Brasil! (ou do mundo...).

sexta-feira, 5 de agosto de 2016

TRÊS PATETAS EM BUSCA DA TOCHA OLÍMPICA

“Vamos ver a tocha olímpica, mãe?”. Já sabia que ela recusaria o programa proposto. A idade, com suas limitações, já colaborava para a negativa. Mas não é só isso. Rosália sempre teve um gênio menos afeito a aventuras. Contrário do meu pai. Então perguntei para ele, com seus quase 93 anos, três a mais que ela. Enquanto perguntava, cheguei mesmo a pensar que ele até poderia aceitar o convite. Demorou a entender. Repeti mais uma ou duas vezes. A baixa audição é praticamente o seu único problema de saúde. Então respondeu com outra pergunta: a gente vai ter que ficar de pé, vendo? Sim pai, respondi, e ele tornou: vai passar na televisão? Outra afirmativa de minha parte: vai pai. Então Francisco encerrou o assunto, com a espirituosidade que lhe é característica: pois eu vou ver deitado!
Leonardo, meu filho, pregado no computador, veio com outro argumento prático: vocês vão perder duas horas para ver um minuto de tocha? Menos um. Restaram esposa e filha e, esta última, só chegaria do serviço meio dia e meia.
Monise chegou e, como estava com fome, decidimos comer rapidamente antes de sairmos. E porque o horário já estava um tanto avançado, fomos diretamente para o último ponto da tocha em São Caetano do Sul: Parque Chico Mendes. A procura por uma vaga para estacionar, nas ruas do entorno do parque que estavam abarrotadas de carros, consumiu mais um tempo precioso. Carro estacionado, iniciamos nossa caminhada em direção ao tão concorrido espetáculo. Olhei para o alto e, mais adiante, vi um helicóptero pairando. Falei: “Olha lá o helicóptero d...”. Não foi exatamente isto que disse. É que eu não quero colocar merchandising neste meu texto... Mas logo depois a aeronave encarregada da cobertura televisiva desapareceu no céu, e restou somente a suspeita de que estávamos chegando tarde demais... Esta suspeita se concretizou como uma realidade quando começamos a ver grupos de pessoas caminhando em sentido contrário ao nosso, afastando-se do parque com brindes festivos nas mãos. Monise sugeriu que conversássemos algo do tipo “estamos indo visitar fulano de tal, nosso parente”, algumas palavras para disfarçar a vergonha. Os grupos de pessoas se adensavam ao nosso redor, todos voltando, com expressões felizes por terem testemunhado tão importante episódio do esporte mundial... Até que nossos passos vacilaram e resolvemos assumir o fracasso. A Má (Marisa) e a Mô (Monise) ficaram aguardando na esquina enquanto eu fui buscar o carro.
Todos no carro novamente, tentamos estabelecer uma rota de interceptação da tocha. Vai ser muito patético se ficarmos correndo atrás da tocha sem conseguir alcançá-la, foi o que pensei, e acho até que disse algo neste sentido. Mas então, como não somos de desistir fácil, decidimos ir para a Avenida Dom Pedro, em Santo André. No trajeto, as costumeiras lamentações “e se a gente tivesse feito assim ou assado, não teríamos perdido”... Queixava-me principalmente por termos deixado escapar a oportunidade de presenciar a chama olímpica sendo conduzida pelo grande atleta Arthur Zanetti, nosso maior representante da ginástica artística, de São Caetano do Sul para o mundo, maravilhando a todos com sua habilidade e força nas argolas. Referia-me a ele como “primo”. Não é um exagero, pois acredito que sejamos primos distantes. Algo do tipo assim: o bisavô dele foi irmão do meu avô. Fiquei um bom tempo na internet tentando comprovar este parentesco distante, mas nada consegui. Tudo bem. Sei que o leitor vai pensar, com razão, que é só alguém ficar famoso que todo mundo quer ser parente do sujeito. Mas deixa pra lá. O que importa é que, naquela hora, junto com minhas queixas, desembestei a falar uma porção de “primo” ao me referir ao famoso ginasta, fato que acabou por irritar minha filha, que nunca engoliu esta história...
Até estacionarmos o carro novamente, mais alguns incidentes normais em uma família normal, ou seja: dei voltas, críticas pra lá e pra cá, nervosismos, desentendimentos, etc. Mas acabamos dando sorte. Estacionamos em uma travessa, perto de uma aglomeração de pessoas, que se concentrava em frente a uma concessionária da Avenida Dom Pedro. E foi aí que ficamos. Então eu, para passar um pouco o tempo antes da chegada do badalado símbolo olímpico, entrei nesta concessionária, enquanto a Má e a Mô ficaram na calçada esperando. Dei uma olhada no carro que, já há um bom tempo, vem sendo objeto dos meus desejos materialistas (não vou revelar qual é este veículo; nada de merchandising novamente). Entrei, conferi o espaço interno, o painel, a visibilidade. Olhei o porta-malas. Gostei. Só não gostei das opções de cores. Que saudades da variedade de cores da década de 70. Com poucas exceções (branco, vermelho e preto), todo o restante forma a maioria cinza que popula nossas ruas e avenidas... Mas acabei encontrando um azul bem bonito, que me agradou. Então, de repente, a vendedora que me atendia disse que o pessoal na rua estava se agitando, dando sinais de que a tão esperada tocha se aproximava. Interrompi minha pesquisa automobilística e lá fui eu presenciar o momento histórico.
Vans, ônibus e caminhões dos patrocinadores antecederam a chama olímpica. Vários brindes foram distribuídos. Música, animação, bandeiras... Teve até um show em movimento, uma espécie de batuque eletrônico de dois sujeitos em frente de um grande telão, tudo isto sobre a caçamba adaptada de um caminhão promocional. No meio disto tudo, andando pra lá e pra cá, fazendo sinal de positivo, dando a mão, cumprimentando, levantando o braço, pulando, lá estava o festivo e próximo condutor daquele fogo que estava aceso por mais de três meses! Com uma tocha apagada na mão, aguardava ansiosamente a chegada da chama que havia sido acesa na Grécia e que havia esquadrinhado quase todo o território brasileiro. Era ele a figura mais importante naquele momento. Cabelo pintado de azul, sua presença foi requisitada em fotos, ao lado de criança e em selfie. Era conhecido por um ou outro que passava na carreata de veículos promocionais e de organização do evento. Chamaram-no de “esquerda”, “esquerdinha”...
Então eu, desastrosamente, liguei as coisas: cabelo azul, “esquerdinha”. O time de futebol São Caetano, o Azulão, tinha um tal de “esquerdinha”. Então arrisquei e perguntei se ele jogava no São Caetano. Ele respondeu, e percebi certa contrariedade e nervosismo em sua resposta, quando disse: “Não não! Santo André!”. Eu devia ter me tocado que na cidade de Santo André, onde estava, não fazia o menor sentido homenagear algo ou alguém da cidade vizinha, São Caetano. Mas não foi só isso, porque depois, quando fui pesquisar na internet sobre este ilustre condutor da tocha, só aí percebi o tamanho da minha mancada. Era chamado de Esquerdinha porque, no passado, de tanto comentar um importante gol do jogador Esquerdinha, acabou por levar o mesmo nome. Então descobri que o sujeito é um torcedor pra lá de fanático do Santo André. Só para ilustrar o grau de fanatismo, por várias vezes perdeu o emprego em consequência disto. Trabalhava como motorista e abandonava as entregas para prestigiar o time do coração. Certa vez, por seu chefe não deixá-lo ver uma final de campeonato na qual o Santo André heroicamente lutava pelo título, isto porque este chefe era torcedor do São Caetano, este incidente acabou por desagradá-lo a tal ponto que, dois meses depois, pediu as contas. Foi aí que entendi a sua reação quando lhe perguntei se jogava no São Caetano...
Bom, voltando à tocha, devo dizer que tivemos a maior sorte no revezamento da mesma, isto porque este importante momento aconteceu bem diante dos nossos olhos, nem um metro a mais, nem um a menos. Neste ponto levamos vantagem, pois se tivéssemos chegado a tempo no Parque Chico Mendes, com certeza teríamos visto muito pouco da tocha, pois ali ela estaria cercada por um número bem maior de pessoas e de seguranças, sujeita à grande badalação que só faz aumentar a distância, afastando-a dos reles mortais que querem, mas não conseguem, vê-la de perto... Pois bem, o tal Esquerdinha aguardou a chama olímpica, que chegou pelas mãos de uma mulher que eu não conhecia (e que ainda não conheço, pois nada pesquisei na internet). A sua tocha foi acesa e lá foi ele, sob gritos e aplausos...
Foi assim. Rápido. Mas valeu a pena. Um momento marcante.
E que venham os jogos olímpicos! E que ocorram em paz... Que as sombras do terrorismo passem longe, ou melhor, que nem passem, nem aqui no Brasil e nem em qualquer lugar do mundo. Mas este assunto de terrorismo é coisa para outro texto... O que importa é que agora, neste fim de semana, irei para o Rio de Janeiro, coração das olimpíadas de 2016, prestigiar uma das eliminatórias do tênis de mesa. É isso mesmo! Eu e meu filho, Leonardo, gostamos deste esporte que aqui no Brasil é marginalizado... Vamos nós quatro: “AdeMáMôLéo”! Talvez esta aventura renda mais um texto... E que Deus nos proteja!