sábado, 29 de outubro de 2016

A SACOLA

Robson caminhava regularmente, duas vezes por dia, vinte minutos por vez, indo e voltando do serviço. De sua casa até o ponto do ônibus fretado e deste mesmo ponto até chegar novamente à sua casa.
Ganhava o pão na área de exatas e divertia-se com o exercício da criatividade, estimulando o outro lado do cérebro com a elaboração de textos, geralmente crônicas.
Costumava buscar ideias enquanto andava. E como naquela madrugada estava difícil encontrar sequer um fiapinho de inspiração para um novo texto, eis que mudou o foco e olhou para a copa da árvore que se aproximava.
Havia uma sacola plástica amarrada a um galho.
Era branca, fina, pouco menor que aquelas usadas em supermercados, opaca o bastante para não permitir a identificação do seu conteúdo, mas ao mesmo tempo translúcida na dose exata para despertar a curiosidade.de Robson. Acompanhou com a cabeça o objeto que se erguia em seu campo de visão. Passou por baixo do mesmo.
Esqueceu-se da tal sacola durante o dia, mas depois, quando voltava do serviço, ao iniciar a rotineira caminhada, já começou a pensar na misteriosa coisa ensacada que se mantinha suspensa... “Será que é merda?”, perguntou-se. Desculpem-me os leitores e, principalmente, as leitoras, por usar uma palavra assim tão vulgar, mas não tive escolha, pois apenas reproduzi, entre aspas, o questionamento de Robson, mantendo-me fiel à sua expressão.
Mesmo com, digamos assim, a... “suspeita nojenta”, que lhe pairava na mente, mesmo assim não se desviou um centímetro sequer da mesma trajetória de sempre, e passou exatamente embaixo do saco atado ao galho.
A partir daí aquela sacola passou a fazer parte do seu dia-a-dia, sempre no mesmo lugar e nos mesmos horários, provocando e despertando-lhe pensamentos.
No dia seguinte, de madrugada: “Vou continuar passando bem embaixo da sacola. É o meu caminho. Nada vai acontecer...”.
Mesmo dia, voltando do serviço: “Eu poderia dar um jeito de tirar isso daí. Subir na árvore ou cutucar com alguma coisa comprida, um cabo de vassoura...”.
Na semana seguinte, em um dia qualquer, de madrugada: ”Uma hora vai acabar caindo. Essa noite choveu bastante. Ela está meio torta. Mais torta que de costume...”.
No mesmo dia qualquer, voltando do serviço: “Pode ser que o galho em que ela está amarrada quebre. O galho é meio fino. Parece que está um tanto ressecado...”.
No mês seguinte: “Está resistindo bastante. Mas não vou alterar a minha rota. É muito azar cair bem na hora em que eu estiver passando embaixo...”.
Cinquenta e quatro dias depois, exatamente às 5 horas, 32 minutos, 13 segundos e 24 centésimos, o galho se rompeu. A sacola, com seu fino e desgastado plástico, iniciou a trajetória de queda, acelerando em direção à cabeça de Robson, na qual espatifou-se logo em seguida...
Moral da história: “Tem hora que se você não fizer nada, o pior pode acontecer. Em uma caminhada, na vida familiar, profissional... Há sacos espalhados por aí... Na política ou economia de um país... Então faça alguma coisa!”.