sexta-feira, 31 de março de 2017

ALVO



Sentir-se alvo. Ser alvo. Estar na frente de um pelotão de fuzilamento, sem possibilidade alguma de escapar. Todos os olhares olham para você. Onde quer que você esteja, carrega consigo todos os olhares, mesmo quando está sozinho.
Ser alvo tem a ver com astral, sintonia. A flecha é atraída pelo alvo. Quanto mais o alvo se sente alvo, mais a flecha quer espetá-lo... Atravessá-lo!
Em tempos de recessão, com o fantasma dos cortes de funcionários rondando e se materializando de vez em quando, ser alvo é coisa comum. O canhão vai girando, de um lado para outro... Tiro! Tentamos prever quando e em quem será o próximo tiro. Mas pode ser uma rajada atingindo vários alvos. Corpos tombam ao nosso lado e tentamos prosseguir como se nada estivesse acontecendo. Ou tentamos explicar a racionalidade do canhão, encontrando motivos para justificar o abate de mais um colega.
Ficam alvos como uma folha sulfite aqueles que se sentem alvos. Brancos de medo. Mesmo os negros... Será que vem daí a origem da palavra alvo? Ou seria uma simples e irônica coincidência que uma palavra queira dizer duas coisas e ao mesmo tempo uma só? (...)
Acertar na mosca, tiro certeiro, o inimigo é o alvo. Mas um povo inteiro também pode ser alvo, marcado com a estrela amarela...
Nem sempre ser alvo significa algo ruim ou negativo. Alvo de elogios, de um olhar sedutor...
Nem sempre atingido, mas sempre alvo. Se erramos, alvo de críticas. Se não erramos, também. De cobranças dos outros. E das nossas também.
Alvos sempre existem, porque mesmo um tiro cego atinge algum alvo. Governo que atira no povo. Neste caso não é tiro cego. É povo cego.
Declaro aqui a independência e a revolta dos alvos!
Alvo. Do raio que cai na cabeça.
Alvo. Da bala perdida. Do policial? Do ladrão? Da ordem perdida. Tiro pra todo lado.
Alvo. De golpes militares, parlamentares, judiciários...
Mesmo quando o alvo nem sabe que é alvo, o tiro dói, dói muito.
Os alvos são sempre os mesmos. E os atiradores também...
Declaro aqui a independência e a revolta dos alvos!
Revolta pacífica, sem violência alguma. À la Gandhi. Para que os alvos de hoje não se tornem os atiradores de amanhã. Para que os alvos, mesmo atingidos, não se deixem abater. Para que, mesmo sendo alvos, não se sintam alvos. Liberdade! A alma não é alvo. Nunca será!

domingo, 26 de março de 2017

RETICÊNCIAS...



Escrevo sim com muitas reticências... E dai? Tenho vontade de colocar os três pontinhos e já vou colocando. Não faço cerimônias... Como agora! Sabe, tem hora que parece imprescindível... Sinto que o texto vai ficar muito seco e sem emoção se eu cortar as reticências... É uma pontuação que parece dar uma continuidade no texto, como se estivesse emendando tudo, para que não haja “quebras” entre uma frase e outra...
Geralmente, após escrever algum texto, em uma das etapas da revisão que faço, saio cortando os três pontinhos... Começo por aqueles que, a meu ver, não são tão essenciais... Mas mesmo estes, quando os deleto, sinto como se estivesse tirando algo muito importante... É como se arrancasse a entonação das palavras, tornando assim as frases sem alma... Frases “quadradas”, que não se encaixam muito bem umas com as outras...
Mas desta vez farei diferente! Vamos contar quantas reticências coloquei até agora... Foram onze... Doze com esta última... Treze... Chega! (...) Chega nada! Não quero nem saber! Desta vez não vou cortar nenhuma reticência! Vou deixar tudo como está! Sabe o porquê, meu caro leitor? É porque eu acabei de chegar da casa de um cunhado... A gente brinca um com o outro, eu e esse cunhado, dizendo que se cunhado fosse bom não começaria com “cu”... Então, brincadeiras a parte, devo dizer que nesta minha última visita, meu ilustríssimo “cu”nhado acabou me provocando... Disse que os textos não precisam de pontuação, que esse negócio de ficar pontuando tudo é coisa de gente “quadradinha”, que não sai da “caixa”... Também falou que não tolera “aspas”... Que, para ele, a cada ”aspas” que ele encontra no texto, é como se este sinal de pontuação ficasse encravado em sua garganta... Pois aqui está, meu caro “cu”nhado... Se você estiver lendo este texto agora, tome “aspas”! Foram dez pares até agora! Vinte “aspinhas” para entalarem na sua garganta... Vinte e duas com estas últimas... E reticências então? Vinte e quatro até agora! Pode se afogar no meio de tantos pontinhos... Até este ponto (ponto este que não está sendo contado), são setenta e cinco pontinhos! E não vou parar por aqui...
A conversa se esticou... Ele de um lado e eu do outro... Ele me veio falando do Saramago e daquele tal “de Andrade”, não sei se era o “Osvald” ou se era o “Mário”... Só sei que falou que não colocavam pontuação, que o Saramago direcionava o texto de uma maneira que não precisava pontuar, que este direcionamento denotava a grande capacidade de narrativa deste escritor, e assim por diante...
Sinto muito... Não estou nem aí com essas “modernidades” que querem arrancar a pontuação dos textos... Ora essa! Então, como protesto, já vou logo postar este texto no meu blog. Para o meu “cu”nhado e todos aqueles leitores que se julgam tão “fora da caixa”. Pois eu vou continuar “na caixa”! Cheia de reticências, aspas e todas as pontuações que eu tiver direito...

sexta-feira, 17 de março de 2017

SEM IDEIA



A inspiração e a criatividade são coisas que só aparecem por vontade própria. Não por nossa vontade, que por vezes fica a implorar ideias para compor pequenos textos com um nível mínimo de originalidade, mas por suas próprias vontades, como se elas fossem entidades com vida própria, que brincam conosco, aparecendo e desaparecendo ao seu bel prazer.
Justamente agora, quando coloquei algumas palavras de propaganda do meu blog no vidro traseiro do carro, sinto a necessidade de elaborar uma crônica acima da média para nele publicá-la. Quero causar uma boa impressão para aquele indivíduo desconhecido que, por um milagre qualquer, resolva acessar o endereço eletrônico, divulgado em letras brancas.
Mas que nada! Nenhuma ideia! Assim não dá! Como vou prender este meu leitor em potencial, talvez um seguidor assíduo dos meus textos mais ou menos mensais, ou quem sabe até um propagador deles, divulgando e compartilhando no vasto “mundo internético”? Se não conseguir escrever nada proveitoso, vai tudo por água abaixo.
Atualmente a concorrência é cruel. Como uma pequena crônica pode competir com vídeos que nos transmitem tanta coisa em tão pouco tempo? Os chineses já diziam que uma figura vale mais que mil palavras. O que dizer então dos vídeos, que nos remetem de um lado para o outro, estimulando nossos sentidos? Vamos ser sinceros, no mundo corrido que vivemos atualmente, fica cada vez mais difícil alguém ter paciência de ler alguns poucos parágrafos. É muito mais fácil assistir passivamente as curtas cenas que viralizam na internet, que são as mais bizarras, ridículas, engraçadas, fofas, chocantes... Assim não dá pra competir!
Porém eu sou teimoso. Fiquei a gritar em pensamento para aqueles neurônios escondidos em algum canto obscuro de minha massa cinzenta, suplicando por alguma mísera ideia que valesse a pena. A resposta que obtive foi o silêncio. Ou, quando muito, as sinapses e impulsos nervosos entre as células do meu cérebro nada de novo revelavam. Eram simplesmente caminhos viciados de um pensamento que reclamava oxigenação. A rotina apressada do dia-a-dia, embebida de dificuldades que se renovam constantemente, mas que são sempre as mesmas, como se estivessem presas a um carrossel, tudo isso acaba consumindo os poucos lampejos de criatividade que são reservados aos pobres mortais. E foi assim que minha teimosia acabou cedendo terreno para a evidência dos fatos.
Então finalmente desisti de sofrer em busca da extinta criatividade. Deixa pra lá. Na verdade “extinção” é palavra muito forte e fatal para explicar o que acontece. Pois ela vai voltar. A criatividade voltará! É sempre assim, é cíclico, em fases. Sei que daqui um tempo ela surgirá novamente (espero...).
Vinculado a esta desistência, decidi escrever sobre isto tudo. E lendo os parágrafos acima, devo confessar que achei até que o resultado final foi aceitável... No entanto, com certeza, estou muito longe do desempenho de minha esposa, pois quando ela está “sem ideia” do que preparar na cozinha, costuma criar os mais saborosos pratos. Seria bom que o mesmo acontecesse comigo com relação aos textos...