quarta-feira, 26 de dezembro de 2018

PARALISANDO O TEMPO

Vou lhe contar a minha história. Não espero que acredite, mas posso lhe garantir que é a mais pura verdade.
Quando completei 54 anos, minha cunhada me presenteou com um relógio de pulso. Aparentava ser normal, porém estranhei, na parte de trás, o minúsculo orifício. Não podia ser reset, visto que era analógico, de ponteiros. Fui em busca do pequeno manual-folheto que veio na caixa. “Acione para paralisar o tempo”, é o que estava escrito. Como sou muito curioso, no meio da festa mesmo, fui pegar um palito de dente e acionei o dito cujo.
Imediatamente tudo paralisou. Todo mundo feito estátua. A bexiga que meu neto jogava ficou estacionada no ar. Caminhei entre as pessoas, estarrecido.
Cutuquei outra vez o botão. No mesmo instante apareci no exato lugar onde estava e tudo voltou ao normal.
Naquela tarde repeti várias vezes a paralisação. Ninguém percebeu nada. Não adiantava mudar as coisas de lugar. Quando apertava novamente, tudo voltava como estava antes, inclusive eu.
Como não adiantava tentar contar ou explicar esta loucura para qualquer pessoa, resolvi então aproveitar a situação.
Paralisava o tempo e... lia livros. Era a única coisa que podia fazer que não era perdida. Ao voltar, o resto, tudo era restaurado como estava no exato instante da paralisação, menos minha memória.
Aumentei muito o meu conhecimento e cultura. Diverti-me muito também...
Até que o relógio foi roubado.
Agora fico pensando que o safado do ladrão anda paralisando o tempo e ninguém percebe!

quinta-feira, 15 de novembro de 2018

CAPITÃO AZUL

Andrade, cinquenta e quatro anos, recém-aposentado como capitão da PM, deseja encontrar uma nova atividade, algo que preencha o tempo, aproveite seu espírito agitado e, principalmente, que lhe traga um novo significado para a vida.
Lembra-se de uma ex-colega de serviço que participa de trabalho voluntário, visitando crianças hospitalizadas, geralmente com câncer...
Embarca nessa, de cabeça. É um grupo bastante animado. Cada qual se fantasia de um herói específico. Mas Andrade demora para encontrar o seu herói. Enquanto isso, vai “à paisana”.
E assim ele passa o tempo, cada vez mais ligado com cada criança...
Até que o quadro de saúde de uma delas se agrava bastante...
Não sabe o que fazer. Reza para não acontecer o momento derradeiro em uma de suas visitas.
Mas acontece.
Após reiterados pedidos dos médicos e da equipe de enfermagem, a mãe interrompe a sua vigília ao lado do filho e vai à lanchonete do hospital para comer algo.
Uma força estranha faz Andrade se aproximar.
– Estou vendo um túnel azul... – diz-lhe o menino.
– É bonito? – pergunta Andrade, fazendo força para controlar a voz e as emoções.
– Sim, é muito bonito! – exclama o garoto, que esboça um pequeno sorriso no rosto debilitado.
– Então entre nele, meu amiguinho! – fala, sem saber como ainda consegue pronunciar as palavras sem desabar...
A partir deste dia, nas visitas aos hospitais, passa a usar uma capa da cor do céu nas costas. E, no meio do peito, escrito: Capitão Azul.

sexta-feira, 26 de outubro de 2018

SEU EUSTÁQUIO

Seu Eustáquio é cheio de manias. Também é muito reservado e sisudo. A família bem o conhece, e compreende.
Não costuma participar das festinhas e reuniões em casa de parentes. Por mais que insistem, recusa-se a sair. Nestas ocasiões, os familiares percebem que ele parece ansioso, como que querendo mesmo ficar sem ninguém por perto o quanto antes. “Temos que instalar umas câmeras, pra ver o que o velho faz quando a gente deixa ele sozinho em casa”, é o comentário recorrente do genro barbudo.
Mais uma vez os familiares o deixam só. Ele fica olhando do portão. Tão logo os carros dobram a esquina, Seu Eustáquio entra, apressado. Tem medo de alguém o estar observando. Fica desviando a vista para os lados, desconfiado.
Vai até o quintal nos fundos da residência. Pega a enxada. Atrás da casa do cachorro, entre o muro e o pé de romã, olha para o chão, buscando localizar o ponto certo. O Bob se aproxima, abanando o rabo, curioso como sempre. “Ainda bem que você não consegue contar nada pra ninguém”, fala o velho enquanto tira a terra que cobre o alçapão camuflado. Pensa que tudo está saindo conforme planejado...
Mas a vida costuma acabar com alguns planos...
Na noite seguinte, Seu Eustáquio morre.
Duas semanas depois, a família fica sabendo do seu segredo: muitas, muitas notas de dinheiro antigo. Outra mania sua: não confiar nos bancos.
O seu tesouro já não vale mais nada, há muito tempo...

sábado, 22 de setembro de 2018

ANSIEDADE

É coisa que fica girando, acelerada, dentro da gente. Invisível, mas nem por isto menos presente. Muito pelo contrário, sua presença é constante.
Não admite pausas ou interrupções. Tudo tem que ser agora. Atropela, precipita, rolo compressor. Geralmente vive em uma relação conflituosa e meio conturbada com o tempo.
Quer chegar rápido, mas não sabe onde. É fome, de algo indefinido, que nunca sacia. Subtexto permanente da vida, que faz com que tudo pareça suspenso, e não resolvido.
Procura alívio tentando eliminar toda a lista de pendências da vida. Mas a lista não acaba nunca. Quanto mais tenta, mais a lista aumenta.
Quando estamos sob sua influência, vivemos deslocados no tempo, sempre um passo à frente, nunca no presente. Assim a vida parece que fica desencaixada.
Quando associada ao medo, pode produzir consequências devastadoras. Multiplica o medo, tira os pés do chão, descontrola.
É sentimento que contamina, contagia, passa de indivíduo para indivíduo. Espalha-se principalmente pelas grandes cidades e aglomerações de pessoas. Por outro lado, muitos costumam combatê-la em zonas rurais, onde predomina a Natureza.
É força que impulsiona ou paralisa, dependendo da sua dosagem e direcionamento.
Traz consigo expectativas boas ou ruins. Antecipa o futuro. É força bipolar, a espera que os sábios a dominem.
Não se pode viver sem ela. Se a temos pouco, ficamos frouxos. Se a temos em demasia, é curto-circuito.
Quero aprender a dominá-la, quero entrar em suas entranhas, usar a sua força a meu favor.
Quero não deixar que ela me paralise. Que eu consiga dar o contragolpe no momento preciso, revertendo a sua força paralisante em força atuante e realizadora. Que a adrenalina que ela descarrega em meu sangue seja para movimentar minhas forças a fim de superar os momentos mais difíceis.
Quando ela vier transbordando pelas pessoas que de mim se aproximarem, quero saber como me proteger de suas influências negativas.
Que eu possa olhar para ela e sorrir. E dizer simplesmente: “Espere. Espere um pouco”.
Que eu desfrute mais o presente, mais encaixado no momento, no aqui e no agora, sem querer viver aquilo que ainda não aconteceu, e que pode nem acontecer... Afinal, o presente é um grande presente!

sexta-feira, 31 de agosto de 2018

TEMPO

O tempo não existe. É apenas uma ilusão necessária para a nossa evolução. É o que eu digo.
A ciência já comprovou que o tempo não é constante. Pode esticar ou encolher. É maleável. É relativo.
A gente corre atrás do tempo. Quer fazer mais coisas em menos tempo. Mas por que não procurar mais tempo no meio das coisas? Por que não tentar encontrar instantes valiosos que passam despercebidos em meio à nossa correria e ansiedade?
Diz-se que tempo é dinheiro. Na verdade o tempo é usado para ganhar dinheiro. Porém pode ser empregado para qualquer coisa. Ou nenhuma.
O tempo corrói o nosso corpo. Envelhece. Lutamos contra o tempo. Não aceitamos a sua ação. Não nos conformamos com a sua corrosão.
O tempo que passou. O tempo que nos resta. Ganhar tempo. Perder tempo. Corrida contra o tempo. Escravo do tempo.
No entanto é só acelerarmos até velocidades próximas à da luz. Aí o tempo passa mais devagar. Envelhecemos menos. O relógio anda mais lentamente. É a pura verdade. A ciência comprova. Ninguém ainda conseguiu viajar nem perto da velocidade da luz. Estamos muito longe disso. Mas foi detectado um pequenino atraso em relógios de alta precisão viajando em aviões comerciais. A experiência de Hafele e Keating constatou um atraso da ordem de aproximadamente 270 nanossegundos. O ano era 1971. Duzentos e setenta bilionésimos de segundo. É muito pouco. Contudo isto já comprova a maleabilidade do tempo...
Imagine viajar até a galáxia de Andrômeda e voltar. Ela está a cerca de 2,5 milhões de anos-luz. Porém você está a bordo de uma nave espacial ultra-avançada. Considere que sua velocidade seja de 99,99% da velocidade da luz. Eu lhe afirmo que vai demorar por volta de 60 anos. Este é o tempo que passará para você. No entanto o tempo aqui na Terra terá avançado muito mais. Haverá passado aproximadamente 5 milhões de anos! Isto tudo pode ser calculado. É matemática. É ciência.
Estas coisas me fazem pensar que o tempo é uma prisão. Dela nos afastamos quando aceleramos e nos aproximamos da velocidade da luz. Correr lado a lado com a luz. Apostar corrida com os fótons. Rumo à luz para escapar do tempo. Fugir da corrosão do tempo. Chega a ser poético. Mas acima de tudo é científico.
Sei que tudo isto é bastante complexo e confunde nossas cabeças. Está muito distante da realidade que efetivamente vivemos. Porém a intenção foi somente cutucar e fazer pensar... Enquanto o tempo continua a passar...

sábado, 28 de julho de 2018

MEDO

É difícil falar sobre o medo. Tem que ter muita coragem para falar sobre o medo. Tem que ser tudo de uma vez. Escrever de “uma sentada só”, sem levantar da cadeira, sem interrupções. Lá vamos nós!
Todos nós temos os nossos medos, uns mais, outros menos... Há medo de vários tipos. Os intensos e profundos, que nos tragam para uma região desconhecida e que nos jogam no vazio. Já tive um deste tipo. Era criança ainda, uns 9 anos eu acho. Estava na casa de praia, no longo quintal da frente, no escuro da noite, perto do muro que fazia divisa com o vizinho. De repente surgiram questionamentos existenciais, do tipo, quem eu sou, de onde eu vim, para onde eu vou, o que eu estou fazendo aqui... Deixei-me levar por eles... E o medo tomou conta... Para sair deste estado, fui falando para mim mesmo, “Calma, está tudo bem, eu tenho pai, eu tenho mãe...”. A referência e segurança da família arrancou-me daqueles visgos tenebrosos. Era muito novo para mergulhar em questões tão sérias. Acho que não há idade que nos dê o preparo para um mergulho deste tipo. Tanto é que, depois deste incidente, evitei direcionar o pensamento para esta zona perigosa. Hoje, com o arcabouço de ideias, conhecimentos, fé, certezas, crenças, que a gente vai construindo e acumulando, acho que hoje estou um pouco mais protegido deste medo existencial. Mas não me arrisco a novamente mergulhar nas suas entranhas não... Há mergulhos muito mais interessantes para dar!
Há aquele medo que a gente leva a tiracolo, para onde quer que sigamos. Tenho um deste tipo também. É misturado com um monte de outras coisas, mas, nesta sopa de sentimentos, o medo, de vez em quando, se sobressai. Medo de gaguejar. Principalmente em situações envolvendo fila, tempo, telefone... O coração bate mais forte, a insegurança... Como eu disse, é uma porção de coisas, pois a gagueira é um bicho muito complexo, é uma disfunção neurológica mas também tem muitos sentimentos envolvidos, e o medo, no meu caso, está presente no meio disto tudo... Mas esta não é uma crônica de um gago discorrendo sobre sua gagueira. Isto talvez fique para outro texto, outra ocasião. Por hora, fica aqui apenas o registro de mais um medo meu.
Enquanto o escritor aqui vai se abrindo, falando dos seus medos, você, meu caro leitor, do seu lado, deve estar pensando nos seus medos. Ou talvez nem pensando neles, pois são tão medonhos que nem é bom pensar, não é mesmo?
Medo é algo muito particular. Os que coloquei aqui, tenho certeza que para a grande maioria das pessoas não representa absolutamente nada. Não compreendem e nem veem nenhum sentido nestes meus medos. Mas, com certeza, há muito sentido e muito medo dos medos que eles têm, porque realmente acho que ninguém está imune.
É isso aí! Cada macaco no seu galho e cada um com seus medos! E lá vou eu com os meus!

quarta-feira, 4 de julho de 2018

SENTIMENTO

Não dá para definir. Pode se apresentar de infinitas maneiras. Como um camaleão que muda de cor. Mas ele pode mudar muito mais que seu colorido. Altera sua intensidade, seu calor, e até sua direção, pois nos impulsiona para cima ou nos puxa para baixo.
Chega de mansinho ou de repente, como uma explosão. Às vezes fica mais tempo do que desejaríamos. Ou escapa rapidinho antes que percebamos. Voluntarioso.
Pode vir de dentro de nós mesmos, ou vir de fora. É possível transmiti-lo ou recebê-lo. Muitas vezes até contagia.
Envolve as palavras que dizemos, os gestos que fazemos.
Alguns conseguem escondê-lo, mas há outros que, pelo contrário, por mais que tentem, não conseguem ocultá-lo.
Tem hora que ele fica alfinetando dentro da gente. Como uma pedra no sapato, pode parecer pouca coisa, mas atrapalha bastante.
Há momentos em que ele nos massacra, como um rolo compressor ou uma serra elétrica. Dizem que não há muito o que fazer nestas ocasiões, apenas resistir e esperar que ele passe, como algo inevitável, que tem que acontecer, esvaziar, como um furacão que devasta e depois perde a força. Por outro lado, existem pessoas que possuem alguma habilidade especial para combater as suas ações negativas. São capazes de gerar, dentro de si, forças contrárias, positivas, que, de certa forma, anulam as negativas.
Ele é tão variável, tão multifacetado...
Pode surgir sutilmente, quando olhamos a lua gigante, amarelada, erguendo-se no começo da noite. Ou quando o suave calor do sol, ao entardecer, aquece nossa pele. Se recordamos alguém querido, ele aparece. Aparece também com a lembrança de pessoa odiada.
Há quem diga que a fonte, que a origem de todos eles é única, como se eles fossem feitos de uma mesma energia, que se manifesta de múltiplas formas.
Não se consegue viver sem ele. Até mesmo quem o tem em níveis muito baixos, acaba tendo uma vida que não é vida. Mesmo quando nos faz sofrer, é melhor tê-los assim do que não tê-los, pois dizem que ele sempre nos ensina alguma coisa.
Pode ser incompreendido, não aceito, discriminado. Nestes casos machuca ainda mais.
Quando não correspondido, corrói por dentro.
É força viva, que conecta as pessoas. É capaz de unir, de mobilizar multidões.
Assim ele é... Poderia falar sobre ele indefinidamente, pois é imensa a sua riqueza e variedade.
Mas vou ficando por aqui. Sem dizer o seu nome. Porque ele é tão grande que não caberá em nenhum nome.

quarta-feira, 23 de maio de 2018

AÇÃO

Enquanto não se fizer nada, nada será feito. É justamente com estas frases óbvias, que concluem coisas tão evidentes, que conseguimos pensar um pouco mais. Pois, se por um lado parece tão incontestável que nada será feito enquanto não se fizer nada, por outro lado parece que há pessoas que acreditam no contrário. Faltam-lhes as ações. Esperam que as coisas aconteçam e que tudo fique pronto e terminado sem tomar ação alguma. Mas, acredite, enquanto não se fizer nada, nada será feito. Este é o primeiro princípio da ação, criado por mim, neste exato momento. Taí, gostei desse negócio de princípio. Acho que é coisa de matemático. Princípios, teoremas, classificações e outras ferramentas teóricas. Então vou continuar nesse esquema.
As ações classificam-se em dois grandes grupos: ações conscientes e ações inconscientes ou automáticas. As primeiras, as conscientes, por sua vez, subdividem-se em dois conjuntos: as ações que queremos fazer e aquelas que não queremos. Quanto às inconscientes, a gente nem sabe se quer fazê-las ou não. Simplesmente fazemos, automaticamente. Se tem alguém que afirma que todas as ações que realiza são conscientes e voluntárias, esse alguém está enganado. Talvez ele não consiga perceber que boa parte daquilo que faz durante o dia é delegar para o piloto automático. E boa parte daquilo que não delega, faz sem querer fazer. Aqui estão incluídas aquelas coisas que ele pensa que quer fazer, mas que, no fundo, se pensar bem, vai ver que não quer. Não vou me aprofundar nestas classificações, tampouco esmiuçá-las ou justificá-las com argumentos teóricos e filosóficos. Minha função é só cutucar você, leitor. Daí pra frente é contigo. E assim vou partindo para um teorema.
Teorema da ausência de ação: “A ausência total de ação é igual a zero”. Agora é necessário um mínimo de explicação, senão você vai achar que eu estou louco. Então vamos lá. Primeiramente, para sustentar este meu teorema, eu digo que, no Universo, tudo é movimento. Até aquilo que está parado encontra-se em movimento: basta olhar para os seus átomos e verificar o grande e interminável movimento que aí ocorre. A ação é uma constante dentro do mundo atômico. E também conosco, mesmo quando não estamos fazendo nada, no interior de nosso corpo ocorrem ações, independentes de nossa vontade. O nosso pensamento também é formado por ações. Sinapses e impulsos elétricos que não cessam, enquanto houver vida. E mesmo depois do corpo morto o movimento não cessa. Agora é a vez do movimento da decomposição, com sua química, contando com o apoio solidário dos vermes, que se satisfazem ao comer nossas entranhas. O movimento não para, nunca. A ação não cessa, jamais! Tudo se transforma, nada acaba ou desaparece de vez. Como já dizia Lavoisier.
Assim já está bom. Um princípio, algumas classificações, um teorema e uma ou mais cutucadas. Não vou lhe incomodar mais, caro leitor. Vou parando por aqui. Mas agora você já sabe que é impossível parar. A ação nunca acaba...

segunda-feira, 30 de abril de 2018

PENSAMENTO

Ultimamente ando pensando sobre o pensamento. Talvez seja um desafio entender e explicar o pensamento utilizando recursos do próprio pensamento. Mas vamos lá!
Pensamento é tudo. Parece ser tudo. Como disse o filósofo e matemático René Descartes, “Penso, logo existo”. Na verdade, o pensamento não proporciona a existência, mas traz a consciência de que existimos. Afinal, uma cadeira existe, mas não pensa. Elas não têm consciência de que existem. Nós temos. Ou deveríamos ter.
Dentro desta linha de pensamento, podemos nos perguntar quanto de vida estamos tendo sem termos consciência de que vivemos. Qual a parcela de nossas vidas que delegamos para o piloto automático? Quando estamos sob o comando deste programa, seguimos entorpecidos. É como existir sem ter consciência de que existe.
Mas a proposta de vida que quero adotar contrapõem-se totalmente a este automatismo. Quero me ligar no presente, no instante, sempre. Perceber tudo que acontece ao meu redor, usando os cinco sentidos ou quaisquer outros mais que houver. Pensamento no presente. Sentimento no presente. Aliás, quem consegue determinar onde acaba o pensamento e começa o sentimento? Ou vice-versa? Faz sentido dizer que existe um “pensamento sentido”? Ou um “sentimento pensado”?
Tenho uma teoria. Não é nada formal, não foi comprovada, tampouco conta com base estatística. É simplesmente uma suspeita. Eu acho que a percepção do tempo tem a ver com o modo como pensamos. Até aqui não há nada de extraordinário, é o que você, leitor, deve estar julgando. Mas avanço um pouco mais. Acredito que o próprio tempo dilata ou encolhe, de acordo com o nosso pensamento. Pensamento focado, tranquilo e equilibrado nos conduz para o tempo dilatado, mais lento, mais e melhor vivido, no qual conseguimos realizar muito mais coisas. Pensamento desfocado e agitado nos leva para o tempo encolhido, acelerado, não percebido, no qual seguimos automaticamente, ao sabor de infinitos estímulos, correndo atrás das coisas, que não conseguimos realizar. Assim sendo, duas pessoas, uma ao lado da outra, em iguais circunstâncias e sujeitas ao mesmo tempo, creio que elas podem viver tempos completamente distintos, de acordo com seus mundos mentais.
Depois de dizer que o pensamento influencia no tempo ao nosso redor, darei agora mais um passo em minha análise metafísica. Acredito também que o pensamento muda a realidade que nos cerca. A física quântica não só explica esta “mágica” como também comprova que não se trata de fantasia de uma mente mística. É pura realidade. Imagine então o que faremos com o nosso pensamento quando passarmos a usar os 90% do nosso cérebro que permanecem adormecidos? Somos possuidores de um equipamento mental com uma capacidade ociosa incrível! É como se tivéssemos ganhado uma máquina muito avançada, que ainda não sabemos operar. Mas não foi à toa. Um dia usaremos todas as nossas potencialidades. Nosso futuro é glorioso!
Finalmente, só posso dizer que quanto mais penso sobre o pensamento, mais acredito naquela sublime afirmação que há muito tempo foi dita e que consta nas escrituras:
“Vós sois deuses”.

sexta-feira, 30 de março de 2018

PALAVRA

Palavra. Falada. Escrita. Pensada. Verdadeira ou vazia. Comprometida ou inconsequente. Dizemos: “São só palavras”. Mas palavras são tudo.
Com a palavra se decreta voz de prisão. Cerceia a liberdade. Mas também liberta, na voz de um juiz. É faca de dois gumes. Pode dar conselhos positivos ou provocar intriga. É faca de múltiplos gumes. Pode ser interpretada de muitas maneiras, gerando consequências que vão do céu ao inferno. A lei está cheia de palavras. Com elas os advogados dos poderosos encontram caminhos para defender os interesses de seus clientes. Porém, para quem não tem condições, a palavra só tem a oferecer a sua mais fria interpretação.
Palavras que travam, que não saem. Mas nem por isto menos palavras. Valem pelo que deveriam dizer. Porque muitas vezes a palavra pensada tem mais força que a palavra falada.
Palavras precipitadas, a causa de muitos males.
Palavras esquecidas, que fogem da mente. Deixam-nos no vazio. Sentimento e raciocínio sem expressão.
Palavras que mentem, manipulam, distorcem a realidade. Habilmente veiculadas por quem quer dominar. Os seus alvos são pessoas simples, que se deixam enganar.
Palavras que rimam. Dizem que na prosa elas não podem rimar. Então já não sei como este texto classificar.
Para tudo há palavra. Nossa mente racional não admite que nada exista sem nome, rótulo ou explicação. E, para explicar, amontoa palavras. Como se não bastasse as que já existem, de vez em quando surge alguma nova. É a gíria inventando novas palavras.
Elas não acabam. Mesmo em silêncio elas são pronunciadas em nossa mente. O nosso próprio pensamento, parece que ele não vive sem elas. Mas será que Helen Keller, enquanto estava mergulhada em seu isolamento, sem nada ouvir ou ver, criança ainda, será que ela não pensava por não conhecer palavra alguma? E depois, quando Anne Sullivan conseguiu fazê-la entender o que é palavra e para que serve, após dominar maestralmente uma infinidade de palavras, conseguindo entendê-las e expressá-las em maravilhosos discursos, será que só aí ela passou a pensar? As palavras são o pensamento ou elas atrapalham o pensamento? Você já pensou sem palavras? Ou isto não seria pensamento, mas sim sentimento? São só perguntas. Mas perguntas também são feitas com palavras.
Não dá para escapar delas. Cercam e inundam o nosso ser. Mas, mesmo assim, muitas vezes parecem insuficientes, quando nenhuma delas diz o que queremos dizer. Por outro lado, há momentos em que encontramos a palavra exata, quando elas fluem de uma maneira impressionante, encaixando-se perfeitamente umas às outras. É quando elas contornam perfeitamente o pensamento, como uma fina máscara que cobre um ser etéreo. É quando as palavras não atrapalham.
Enfim, o que posso dizer com certeza é que lidar com as palavras é uma arte... Na qual me sinto um eterno aprendiz!

domingo, 18 de fevereiro de 2018

AMIGA E COMPANHEIRA SERINGUEIRA




A força da natureza é impressionante. De um imenso tronco cortado rente ao chão, antiga base de gigantesca seringueira, surgem folhas verdes. É a vida resistindo à brutalidade de um corte assassino. Não há dúvida. São folhas de seringueira, pujantes, viçosas, provavelmente saindo de algo que pretende ser um futuro galho, talvez um novo tronco, se deixarem a natureza em paz... Umas dez ou quinze folhas, tentativa heroica e corajosa para dar continuidade ao mesmo material genético que se pensava estar extinto.
Não resisti. Tirei uma foto. Saquei o celular do bolso e registrei a cena, que certamente passava despercebida pela imensa maioria de todos aqueles que circulavam apressados ao saírem ou entrarem na estação de trem de São Caetano do Sul. Era o final do dia e os últimos raios de sol incidiam quase que paralelamente, tornando o quadro ainda mais bonito.
E agora, ao ver a foto, não me canso de admirá-la. Vejo muitos significados nesta imagem... Penso que daqui para frente, ao entrar ou sair da estação, em minha rotina diária de ir e voltar do serviço, sempre procurarei este aglomerado de folhas. Torcerei por elas. Para que continuem com a sua valentia. Para que ninguém interfira em sua luta. Para que passem desapercebidas por aqueles que mandaram cortar as gigantes árvores.
Até entendo que deve ter havido uma motivação “justa” para a supressão tão radical daqueles majestosos espécimes vegetais (ressalto as aspas colocadas na palavra justa, como indicativo de ironia e por não acreditar na justiça da atitude tomada). Isto porque talvez as grossas e potentes raízes estivessem afetando a estabilidade dos trilhos do trem, afinal sabemos que este tipo de raiz facilmente levanta calçadas e abala as estruturas das construções que se encontram nas redondezas. Porém não posso deixar de questionar se acabar com as seringueiras foi a saída mais justa. Será que não poderia ser feita algum tipo de barreira, por meio de estudos especializados de engenheiros civis e agrônomos trabalhando em conjunto, quem sabe com a utilização de grandes chapas metálicas enterradas verticalmente no solo?
Mas agora então, após o massacre vegetal, as poderosas raízes não mais empurrarão os trilhos, deixando-os em paz. Então que deixem em paz também este milagroso renascimento, pois que ele decerto não causará prejuízo algum às estruturas do local (pelo menos por enquanto e por um bom tempo, acredito eu...).
Neste embate de forças entre a civilização e a vida, torcerei pela vida. Não significa que eu seja contrário ao progresso. Isto porque acredito ser sempre possível civilizar e progredir sem agredir o meio ambiente.
Então que este renascimento possa continuar... Pois ele representa muitas coisas... Que eu possa ver o seu progresso no meu dia-a-dia. A vida lutando para viver, enquanto nós também vamos lutando... Com todos os cortes que também levamos... Alguns nos galhos mais grossos, ou mesmo até no tronco, rente ao chão, como este... Mas vamos lá, amiga e companheira seringueira! Vamos vencer esta batalha!

segunda-feira, 29 de janeiro de 2018

“UBERIZAÇÃO” DA ECONOMIA

Quatro meses desempregado. Pensava que me recolocaria em no máximo um mês.
A ideia surgiu no jantar. Não estava disposto a uma mudança assim tão radical em minha vida profissional. Mas minha esposa e minha filha incentivaram. E eu, sentindo o peso da necessidade de sustentar a casa, acabei aceitando.
Trabalhar no ramo de transporte compartilhado, como Uber, parecia ser a única saída naquele momento. Com a cabeça meio quente, mergulhado em mil pensamentos, apreensivo com relação ao meu futuro ganha-pão, fui dormir.
Acordei disposto a providenciar, o mais rápido possível, toda a documentação necessária para a nova atividade. Fiz o cadastramento pela internet e aguardei a aprovação. Na verdade eu não queria que desse certo. Torcia mesmo para que encontrasse um emprego em minha área, mas, por mais que procurasse, nada.
As noites eram agitadas e eu dormia com dificuldade. Acordava cansado e preocupado...
Então, de repente, lá estava eu como motorista de Uber... Na primeira viagem peguei um passageiro que não parava de falar. Falou tanta coisa sobre o que disse ser uma nova tendência da economia, o compartilhamento. Foi dizendo sobre todos os bens e serviços que poderiam ser compartilhados... Falou, falou e falou...
Neste primeiro dia, depois de muitas viagens, cheguei exausto em casa. Tudo que eu queria era me largar na cama...
No café da manhã, minha esposa me disse que entraria em um novo tipo de negócio que estava surgindo. “Bolúber, é o Uber do bolo! O usuário entra no aplicativo e pede um bolo. A solicitação é repassada para todos os fornecedores que estiveram por perto. Aí aquele que quiser pegar o pedido é só confirmar e começar a preparar o bolo... Você pode deixar um ou dois bolos prontos de estoque... Mas tem que tomar cuidado com...”. Desliguei-me um pouco das explicações dela. Achava meio estranho tudo aquilo... Então chega minha filha e diz que vai ganhar um dinheirinho com um tal de Reforçúber, reforço escolar compartilhado... “Pai, vou dar reforço de Matemática, porque eu tenho facilidade...”.
Estava ficando um tanto atordoado com aquelas estranhas novidades. Mas não tive tempo sequer de me acostumar a este novo estado de coisas, isto porque o meu primeiro passageiro daquele dia logo me foi informando a respeito de outra novidade que, segundo ele, revolucionaria completamente o mercado de trabalho. Era o “Job-Uber”, uma plataforma que conectava o trabalhador ao trabalho, a qualquer hora, por qualquer tempo, pela cotação do valor de cada trabalho específico no momento da contratação, feita por meio de um simples click, sem interferências nocivas de retrógradas leis trabalhistas. Disse-me ainda o meu bem informado passageiro: “Muitas grandes empresas já estão aderindo a este novo modelo...”.
Enquanto ouvia, o meu estado de aflição com tudo isto foi aumentando mais e mais... Mas as palavras foram ficando distantes... Até que acordei!
Desculpe, leitor. Em algum ponto da narrativa acima, eu acabei dormindo e tendo este atormentador sonho... Ainda bem que foi sonho! Ufa!